11/01/2014
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03h00
Bruno Shimizu e Patrick Caciedo: Pedrinhas por todos os cantos
A visão de corpos mortos, perfurados, decapitados no Complexo
Penitenciário de Pedrinhas, em São Luís/MA, atingiu a opinião pública
como um golpe, confundindo certezas pré-concebidas acerca das práticas
punitivas no Brasil. Por certo, eram corpos matáveis, desimportantes,
corpos negros e pardos, anônimos. Nenhuma novidade. Mas as imagens não
são tão facilmente ignoradas quanto estatísticas ou discursos de
militantes de direitos humanos. As imagens pintam em cores fortes o
genocídio invisível e silencioso diuturnamente posto em marcha por nosso
sistema penal.
As mais de duas décadas de caminhada pela democratização da sociedade
brasileira foram caracterizadas pela espantosa hipertrofia do Estado
policial: além da prática de tortura e mortes institucionalizadas, houve
um crescimento exponencial do encarceramento e da piora das condições a
que estão submetidas as pessoas presas.
A punição, no Brasil, afigura-se como espaço de exceção à legalidade.
Nenhum dos Poderes constituídos assume a responsabilidade pela gestão
dos amontoados de miseráveis que ocupam as masmorras brasileiras. O
Judiciário, que controla a entrada e a saída do sistema, mostra-se
extremamente rigoroso na aplicação das penas, mas, de forma
contraditória, entende que a gestão da execução penal compete
exclusivamente ao Executivo. O Executivo, por sua vez, escuda-se por
trás de argumentos orçamentários para deixar de cumprir a Lei de
Execuções Penais e a Constituição Federal, valendo-se da invisibilidade
do cárcere para que as violações extremas de direitos fundamentais não
sejam denunciadas. A tudo isso se soma a postura ideológica dos
operadores do sistema penal, no sentido de promoção do encarceramento em
massa da pobreza como forma de contenção de demandas sociais e
neutralização das classes marginalizadas.
A situação evidenciada no Complexo Penitenciário de Pedrinhas não se
afasta, em termos de precariedade e descaso, da maioria das unidades
prisionais do Estado de São Paulo. Com superlotação maior do que a de
Pedrinhas, o Centro de Detenção Provisória da Praia Grande possui 1.652
presos para 512 vagas. Disputam o mesmo espaço presos condenados e
esperando julgamento, presos que aguardam vaga em regime semiaberto e
até mesmo pessoas com transtorno mental, para as quais a legislação
proíbe a prisão. Nesse ambiente, não contam com profissionais de saúde,
educação ou trabalho; não recebem produtos básicos de vestuário e
higiene; a água é racionada e insuficiente para saciar a sede ou mesmo
tomar banho; recebem visita de familiares traumatizados após uma
humilhante revista.
Diante do quadro de barbárie, o Tribunal de Justiça foi chamado a se
manifestar e, em uma das ações, afirmou que a situação não demandava
urgência, pois "a população carcerária do local, de uma forma ou outra,
tem sobrevivido, (sem) rebeliões, fuga ou morte entre presos."
O exemplo acima denuncia o temerário abstencionismo do poder Público e,
notadamente, do poder Judiciário, que deveria ser o guardião dos
direitos fundamentais e, ao revés, aguarda passivamente que os eventos
lamentáveis ocorridos em Pedrinhas repitam-se e, de preferência, sejam
filmados e expostos na mídia, para, apenas então, quem sabe, sair de sua
zona de conforto. Por ora, os doutores permanecem desviando o olhar da
bomba-relógio carcerária, esperando que o caso seja esquecido. Enquanto
isso, nas celas, nos raios e pavilhões, fora das vistas de todos, o
descaso diante da dor silenciosa acelera a ruína da equivocada política
de "segurança" de encarceramento em massa, sendo o caso de Pedrinhas
apenas um exemplo do quão trágico pode ser o colapso que se prenuncia.
BRUNO SHIMIZU, 29, e PATRICK CACIEDO, 31, são defensores
públicos do Estado de São Paulo e coordenadores do Núcleo Especializado
de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/01/1396214-bruno-shimizu-e-patrick-caciedo-pedrinhas-por-todos-os-cantos.shtml
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