sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Patrick Mariano: Lei antiterrorismo serve principalmente aos EUA

Patrick Mariano: Lei antiterrorismo serve principalmente aos EUA

publicado em 13 de fevereiro de 2014 às 13:53

Patrick Mariano: “O filtro será dado por delegados, promotores, juízes e, é claro, pela mídia”
por Conceição Lemes
Tramitam no Congresso vários projetos de lei que visam regulamentar atos de terrorismo.
O mais conhecido é do senador Romero Jucá  (PMDB-RR) com contribuições do ex-deputado federal Miro Teixeira (PROS).
“Não podemos começar a Copa, as Olimpíadas, sem a lei regulamentada. A Constituição tem essa lacuna que precisa ser preenchida”, afirmou numa comissão mista do Congresso.”A regulamentação dos atos de terrorismo será votada ainda este ano.”
Foi numa comissão mista do Congresso, realizada foi em 12 de agosto de 2013
No final do ano, os movimentos lançaram o Manifesto de repúdio às propostas de tipificação de crimes de terrorismo (na íntegra, abaixo).
Provavelmente essa pressão forte fez a iniciativa refluir e o projeto acabou não sendo votado.
A morte trágica de Santiago Ilídio Andrade, repórter cinematográfico da TV Bandeirantes, fez com que os parlamentares de forma oportunista decidissem levar o projeto a votação.
Está na pauta do plenário e pode ser votado a qualquer momento. Numa decisão de líderes, os senadores nomearam o colega Eunício Oliveira como relator de plenário.
Mas os senadores Eduardo Suplicy (PT-SP) e Randolfe (PSOL) querem que antes o projeto passe por duas comissões. Uma delas é a de Direitos Humanos. Ou seja, há um impasse.
“Não há a menor necessidade de tipificar crime de terrorismo. E uma vez tipificado, você perde totalmente o controle sobre quem será punido”, alerta o advogado Patrick Mariano. “O filtro que será realizado para determinar se tal conduta é terrorismo ou não será dado por delegados, promotores, juízes e, é claro, pela mídia”.
“Essa lei serve principalmente aos interesses norte-americanos, que querem nos impor a adoção das mesmas medidas antiterror que adotaram no pós 11 de setembro”, denuncia Mariano. “Se aprovado esse projeto de lei, o reflexo será menos democracia e mais sufocamento da participação social.”
Patrick Mariano é advogado, mestre em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB) e integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares – Renap.
Viomundo — É necessário tipificar o crime de terrorismo no Brasil?
Patrick Mariano — Não, em absoluto. O Brasil já dispõe de legislação penal suficiente para tanto.
Terrorismo é um conceito ideológico, uma quimera que serve à política dos EUA para justificar as desumanidades cometidas em Guantánamo e no pós 11 de setembro em todo o mundo.
Por aqui, serviu para justificar atrocidades e tortura nos anos de 1960 e 70, quando os militares davam as regras. Muitos quadros da esquerda brasileira foram torturados e mortos com base nesta justificativa.
Viomundo – O senador Romero Jucá justifica a necessidade da lei por conta da Copa e das Olimpíadas. O Brasil já não tem leis capazes de enquadrar qualquer eventual ação cometida em sede dos grandes eventos?
Patrick Mariano — Sem dúvida. Há legislação penal pra dar e vender. Basta lembrar, neste ponto, que a Lei de Segurança Nacional, editada na ditadura militar ainda está em vigor e serve, vez ou outra, para criminalizar movimentos sociais.
Viomundo — Quem são os pais da ideia no Senado e na Câmara?  No ano passado, eles estavam assanhados… Depois arrefeceram. Mas com o caso do Santiago voltaram a agir.
Patrick Mariano – Olha, na verdade, os verdadeiros pais são os americanos, que querem nos impor a adoção das mesmas medidas antiterror que adotaram no pós 11 de setembro e a venda de armas.
No Brasil, os pais são aqueles que servem aos interesses dessa ideologia. Quer por inocência, quer por afinidade. Existem vários projetos sobre o tema, o mais famoso dele é do Romero Jucá com contribuições do Miro Teixeira.
De fato, no ano passado, ocorreu um debate na Câmara dos Deputados. O inusitado é que os movimentos sociais não foram sequer convidados. Assim como agora ocorre no Senado Federal. Ou seja, na “casa do povo”, este não entra. Lembrou a música de Cazuza “não me convidaram para esta festa pobre que os homens armaram para me convencer”.
Viomundo — O que está por trás dessa iniciativa de tipificar o crime de terrorismo no Brasil? É mais uma tentativa de criminalizar os movimentos sociais?
Patrick Mariano — Com certeza. Zaffaroni, argentino e um dos maiores penalistas do mundo, diz que toda vez que aumentamos o estado policial, diminuímos o estado de direito. Neste caso, seria uma tragédia para as lutas sociais a tipificação, um retrocesso democrático.
Recentemente, Obama justificou a espionagem que fez na presidenta Dilma com base no argumento de que era para combater o terrorismo. Ou seja, se viola a intimidade de presidentes de países com base neste argumento!
O debate é ideológico. Implica dizer, seremos submissos a esta ideologia norte-americana? A mesma ideologia que “justifica” a tortura, a espionagem sorrateira, Guantánamo, Abu Ghraib e os campos de concentração relatados no filme Zero Dark Thirty (A Hora Mais Escura)?
Viomundo – A quem interessa, ideologicamente, tipificar o crime de terrorismo no Brasil?
Patrick Mariano – Como o termo “terrorista” é uma construção ideológica, funciona mais ou menos assim: você primeiro cria politicamente o termo e depois vai atrás daquilo que você entende que seja.
Somente para argumentar, imaginemos aquele terrorista dos filmes de Hollywood, ok? Se ele existe, nunca passou pelo Brasil ou pela maioria dos países.
Nosso País não entra em guerra há mais de 100 anos, temos um tradição, portanto, pacífica.
Outros países que tipificaram a conduta e aceitaram o jogo dos EUA, ao não encontrar aquele perfil que o Jack Bauer, do seriado 24 horas tem como inimigo, acabaram por criminalizar movimentos sociais. Sim, porque uma vez tipificado, você perde totalmente o controle sobre quem será punido. O filtro que será realizado para determinar se tal conduta é terrorismo ou não será dado por delegados, promotores, juízes e, é claro, pela mídia!
Interessa ao pensamento ideológico de Bush no pós 11 de setembro. Pensamento tão forte politicamente, que nem mesmo Obama conseguiu refrear, embora houvesse prometido acabar com Guantánamo.
Viomundo — Quais os impactos da tipificação para os movimentos sociais, já que hoje, não é raro promotores enquadrarem as ações do MST na Lei de Segurança Nacional?
Patrick Mariano — São imprevisíveis. Seria a ampliação do estado policial ainda mais. O reflexo é menos democracia e mais sufocamento da participação social.
O recado dado seria uma sociedade ainda mais doente, com medo de falsos fantasmas criados para justificar atrocidades mundo afora.
Uma sociedade em que o medo é estimulado, abre mão de valores fundamentais para a vida em comunidade tais como a solidariedade, fraternidade e aceitação do outro.
Reforçaria preconceitos e atenderia à indústria de segurança, que é muito forte no mundo. A Lei de Segurança Nacional é um bom exemplo que você deu.
Em pleno regime democrático, existem promotores que enxergam na atuação do Movimento dos Sem Terra um atentado à segurança nacional. Não só, ainda elaboram denúncias criminais contra esses trabalhadores, com base neste pensamento.
Como palpite, diria que estudantes, professores, sem terra e todos aqueles e aquelas que ousassem ir para as ruas reivindicar direitos sociais, seriam etiquetados como terroristas.