Debate 50 Anos do Golpe Civil-Militar - PUC-SP
Na segunda semana de abril, nos dias 7,8,9,10 e 11 o Centro Acadêmico 22 de Agosto e o Centro Acadêmico Barão do Rio Branco realizarão debates sobre os 50 anos do Golpe Civil e Militar no Brasil.
Programação:
07/04
9h- Debate 50 anos do Golpe Civil e Militar no Brasil
Antonio Rago Filho - Professor de História da PUC-SP
Henrique Carneiro - Professor de História da USP
José Paulo Florenzano - Professor de Ciências Sociais da PUC-SP
19h30- Debate 50 anos do Golpe Civil e Militar no Brasil
Alvaro Bianchi - Professor de Ciência Política da UNICAMP
Damião de Lima Trindade - Procurador do Estado
08/04
9h - Debate PUC e a Ditadura
Bia Abramides - Apropuc (Associação de Docentes da PUC-SP)
Laurindo Lalo Leal Filho - ex-estudante de Direito da PUC-SP
19h30- Debate Memória, Verdade e Justiça
Projeto Brasil: Nunca Mais*
Herbert Claros - Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos
Rodolfo - Mestrando na PUC-SP
09/04
9h- Debate Mulheres na Ditadura
Tessa Moura Lacerda - Professora de Filosofia da USP
Maria Valéria da Paz (Belela) - ex-diretora do DCE da USP
19h30- Debate Resquícios da Ditadura
Antônio Mazzeo - Professor de Ciências Sociais da UNESP
Guilherme Duarte - Advogados Ativistas
Gustavo Junqueira - Defensor Público e professor de Direito da PUC-SP
Zezé Menezes - Núcleo de Consciência Negra da USP
10/4
9h- Análises e perspectivas sobre a experiência de guerrilha e seu fracasso durante a Ditadura Militar
Marcelo Ridenti - Professor de Sociologia UNICAMP
Autor da obra de Doutorado: O fantasma da revolução brasileira - raízes sociais das esquerdas armadas, 1964-1974
19:30- Justiça de Transição: ainda há tempo?
Cláudia Marconi (PUC-SP)
Raquel Rocha (PUC-SP)
San R. Assumpção - Doutoranda PUC-SP
11/4
9h- Operação Condor
Jussaramar Silva - Doutoranda PUC-SP
Vera Lucia Vieira - Professora de Ciências Sociais PUC-SP.
19:30- As descrenças no sistema político brasileiro e as perspectivas de reforma.
Vitor Marchetti (UFABC)
Os debates ocorrerão no Auditório 239 do prédio novo da PUC.
Núcleo de estudos e pesquisa em ética e direitos humanos do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUC/SP
quarta-feira, 9 de abril de 2014
sexta-feira, 4 de abril de 2014
Nota sobre o "fim" do julgamento do Massacre do Carandiru
O CARANDIRU É AQUI
Nunca é demais relembrar: em 2 de outubro de 1992, mais de trezentos
policiais militares invadiram a Casa de Detenção e exterminaram ao menos 111
homens desarmados e rendidos. Muitos sobreviventes e jornalistas presentes no
dia afirmam que o número é subnotificado e que, na verdade, cerca de 250 homens
foram executados. Foi a maior chacina da história do sistema prisional
brasileiro.
Após quase 22 anos, encerrou-se, em primeira instância, o julgamento
dos policiais envolvidos. Foram 77 policiais condenados no que é considerado o
maior júri da história do tribunal paulista.
Pouca coisa, no entanto, muda com o desfecho provisório do processo do
Massacre do Carandiru.
De um lado, é necessário sempre lembrar que Antônio Fleury Filho e
Pedro Campos, mandantes do Massacre, não foram sequer processados, fato que
respalda as autorizações para matar que até hoje governantes cedem aos
policiais sob sua autoridade.
De outro lado, é importante reafirmar que esse Judiciário que condenou,
duas décadas depois, e ainda em caráter provisório, parte dos policiais
envolvidos com o Massacre do Carandiru é o mesmo Judiciário que, diariamente,
condena centenas de jovens pobres e pretos ao cumprimento de longas penas em
prisões superlotadas e degradantes e mantém presas provisoriamente quase 100
mil pessoas que sequer têm condenação definitiva.
Não é possível celebrar a suposta "justiça" desse Judiciário
que, para além de chancelar o encarceramento seletivo e em massa, ignora as
diversas denúncias de tortura contra presos e se esquiva, descaradamente, do
dever de fiscalizar e de combater as condições degradantes das prisões
paulistas.
Nada a celebrar diante do aumento de cerca 400% da população carcerária
desde 1992, contra 30% da população em geral, e da multiplicação de famílias
que, como os familiares dos exterminados na Casa de Detenção, são penalizadas
junto com seus entes queridos presos e, na tentativa de ampará-los, são submetidos a diversas violações.
Esse mesmo Judiciário que aprisiona em massa, prevarica na atribuição
de monitorar as condições materiais dos presídios e é conivente com a tortura,
também faz vistas grossas às sistemáticas revistas vexatórias, violência sexual
praticada contra mulheres e crianças que, com muito esforço, se deslocam por
centenas de quilômetros para visitar seus parentes presos.
Desse modo, apesar da importância histórica do reconhecimento judicial,
ainda que tardio, do Massacre do Carandiru, não nos iludimos com as
possibilidades de construir justiça dentro do sistema penal, que é nítida e
inescapavelmente voltado à manutenção e ao aprofundamento das desigualdades
produzidas pelo sistema capitalista.
A longa caminhada pelo fim dos massacres é pavimentada, cada vez mais,
pela convicção de que as lutas para incidir nas estruturas que permitem
massacres como o do Carandiru não cabem nos tribunais.
Renovamos a nossa aposta de que a derrocada dessa ordem que se sustenta
a partir do extermínio do povo pobre e negro, nos dois lados do muro, e no dia
a dia, e da qual o Massacre do Carandiru é produto e expressão, somente se dará
com a organização popular e autônoma para resistir e lutar contra esse Estado
Penal e contra as classes abastadas que dele se valem para manter seus
domínios.
REDE 2 DE OUTUBRO
PELO FIM DOS MASSACRES
POR UMA VIDA SEM GRADES E SEM OPRESSÕES
quinta-feira, 3 de abril de 2014
Ditadura criou campos de concentração indígenas
http://reporterbrasil.org.br/2014/04/ditadura-criou-campos-de-concentracao-indigenas/
Índios foram submetidos a trabalhos
forçados e torturas. Reparação de crimes cometidos nas aldeias ainda é
pouco debatida. Veja minidocumentário
Por André Campos | Categoria(s): Notícias
De 1969 até meados da década de 1970, a
Fundação Nacional do Índio (Funai) manteve silenciosamente em Minas
Gerais dois centros para a detenção de índios considerados “infratores”.
Para lá foram levados mais de cem indivíduos de dezenas de etnias,
oriundos de ao menos 11 estados das cinco regiões do país. O
Reformatório Krenak, em Resplendor (MG), e a Fazenda Guarani, em
Carmésia (MG), eram geridos e vigiados por policiais militares sobre os
quais recaem diversas denúncias de torturas, trabalho escravo,
desaparecimentos e intensa repressão cultural. Os presos incluíam até
mesmo indivíduos que lutavam contra a invasão de áreas hoje oficialmente
reconhecidas como território indígena.
Muito pouco se divulgou sobre o que de fato acontecia nesses campos de concentração étnicos. Se a reparação dos crimes cometidos pela ditadura nas cidades brasileiras ainda engatinha, nas aldeias situação é ainda pior. Até hoje, nenhum índio ou comunidade indígena foi indenizado pelos crimes de direitos humanos ocorridos nesses locais. Nunca houve qualquer manifestação formal do Estado brasileiro reconhecendo a existência de tais crimes.
Minidocumentário originalmente publicado em junho de 2013 na reportagem Ditadura criou cadeia para índios com trabalho forçado e torturas,
do Concurso de Microbolsas de Reportagem da Pública. Clique nos links
abaixo para ler outros textos da série da Agência Pública:
Ditadura criou cadeias para índios com trabalhos forçados e torturas
Um campo de concentração indígena a 200 quilômetros de Belo Horizonte (MG)
Prisões e castigos para “civilizar os índios”
Treinados pela PM, índios-soldados reprimiam seus pares
Muito pouco se divulgou sobre o que de fato acontecia nesses campos de concentração étnicos. Se a reparação dos crimes cometidos pela ditadura nas cidades brasileiras ainda engatinha, nas aldeias situação é ainda pior. Até hoje, nenhum índio ou comunidade indígena foi indenizado pelos crimes de direitos humanos ocorridos nesses locais. Nunca houve qualquer manifestação formal do Estado brasileiro reconhecendo a existência de tais crimes.
Ditadura criou cadeias para índios com trabalhos forçados e torturas
Um campo de concentração indígena a 200 quilômetros de Belo Horizonte (MG)
Prisões e castigos para “civilizar os índios”
Treinados pela PM, índios-soldados reprimiam seus pares
Mulheres presas, torturadas, desaparecidas ou assassinadas pela ditadura militar
sab, 29/03/2014 - 17:45
- Atualizado em 30/03/2014 - 11:02
Fonte: Direito à memória e à verdade : Luta, substantivo feminino Tatiana Merlino. - São Paulo : Editora Caros Amigos, 2010.
LABIBE ELIAS ABDUCH (1899-1964)
A sexagenária Labibe Elias Abduch era casada com Jorge Nicolau
Abduch, com quem teve três fi lhos. Foi morta por um disparo de bala em
1o de abril de 1964, quando caminhava pela Cinelândia, no Rio de
Janeiro, interessada em obter informações sobre o movimento militar no
Rio Grande do Sul, onde se encontrava um filho seu. Narrando a cena e os
fatos desse dia, a revista O Cruzeiro, em edição extra de 10 de abril
do mesmo ano, traz o seguinte relato: “14 horas. É o sangue. A multidão
tenta mais uma vez invadir e depredar o Clube Militar. Um carro da PM
posta-se diante do Clube. O povo presente vaia os soldados. Mais tarde,
choque do Exército [...] dispersam os agitadores, que voltam à recarga,
pouco depois. Repelidos a bala, deixam em campo, feridos, vários
manifestantes: entre eles Labib Carneiro Habibude [sic] e Ari de
Oliveira Mendes Cunha, que morreram às 22 horas no pronto-socorro”.
CATARINA
HELENA ABI-EÇAB (1947-1968)Nascida na capital paulista, Catarina,
militante da ALN, era casada, desde maio de 1968, com João Antônio
Santos Abi-Eçab, também integrante da organização. Eles se conheceram
quando estudavam filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
da USP. João era ativista estudantil. Morreram no dia 8 de novembro de
1968, na BR-116, altura da cidade de Vassouras (RJ). Durante três
décadas, não havia sido possível contestar a versão oficial de que os
dois teriam falecido em virtude de um acidente de carro. No veículo,
teriam sido encontradas armas e grande quantidade de munição. Os
legistas Pedro Saullo e Almir Fagundes de Souza estabeleceram como causa
mortis “fratura de crânio com afundamento (acidente)”. A Comissão
recebeu documentos dos órgãos de repressão sobre o caso, arquivados no
Superior Tribunal Militar (STM), e cópia do processo instaurado pelo
Estado do Rio de Janeiro, buscando coletar informações sobre as
circunstâncias das mortes. No boletim de ocorrência que registrou o
acidente, consta: “foi dado ciência à polícia às 20 horas de 8/11/68.
Três policiais se dirigiram ao local, constatando que na altura do km 69
da BR-116, o VW 349884-SP, dirigido por seu proprietário João Antônio
dos Santos Abi-Eçab, tendo como passageira sua esposa, Catarina Helena
Xavier Pereira (nome de solteira), havia colidido com a traseira do
caminhão de marca De Soto, placa 431152-RJ, dirigido por Geraldo Dias da
Silva, que não foi encontrado. O casal de ocupantes do VW faleceu no
local. Após os exames de praxe, os cadáveres foram encaminhados ao
necrotério local”. Em abril de 2001, entretanto, denúncias feitas pelo
repórter Caco Barcellos, veiculadas no Jornal Nacional, da TV Globo,
derrubaram tal versão e mostraram que João e Catarina foram executados
com tiros na cabeça. O jornalista entrevistou o ex-soldado do Exército
Valdemar Martins de Oliveira, que relatou algumas missões atribuídas a
ele pelo órgão militar de segurança – entre elas a infiltração em grupos
de teatro –, e a prisão, tortura e execução de um casal de estudantes
pelo chefe da operação militar. A suspeita era de participação desses
jovens na execução do capitão do Exército norte-americano Charles
Chandler
ALCERI MARIA GOMES DA SILVA (1943-1970)
Gaúcha e afrodescendente, Alceri trabalhava no escritório da fábrica
Michelletto, em Canoas, onde começou a participar do movimento operário e
fi liou-se ao Sindicato dos Metalúrgicos. Em setembro de 1969, visitou
sua família em Cachoeira do Sul para informar que estava de mudança para
São Paulo, engajada na luta contra o regime militar como integrante da
Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). A família de Alceri viveu um
verdadeiro processo de desestruturação após sua morte, que ocorreu
juntamente com a de Antônio dos Três Reis de Oliveira, militante da ALN.
O pai, desgostoso, morreu menos de um ano depois de saber, por um
delegado de Canoas, que a filha fora morta em São Paulo. Uma de suas
irmãs, Valmira, também militante política, não suportou a culpa que
passou a sentir por ter permitido que a irmã saísse de sua casa.
Suicidou-se ingerindo soda cáustica. Depoimento dos presos políticos de
São Paulo denunciou o assassinato de Alceri e Antônio por agentes da
Operação Bandeirante (Oban), chefiados pelo capitão Maurício Lopes Lima.
Ambos foram enterrados no Cemitério da Vila Formosa e seus corpos nunca
foram resgatados, apesar das tentativas feitas em 1991 pela Comissão de
Investigação da Vala de Perus. As modifi cações na quadra do cemitério,
realizadas em 1976, não deixaram registros do local para onde foram os
corpos exumados. Alceri foi morta [...] com quatro tiros. De acordo com o
laudo necroscópico assinado pelos legistas João Pagenotto e Paulo
Augusto Queiroz Rocha, duas balas atingiram o braço e o peito, enquanto
as outras duas penetraram pelas costas, alcançando a coluna.
MARILENA VILLAS BOAS PINTO (1948-1971)
Estudante do segundo ano de Psicologia da Universidade Santa Úrsula,
no Rio de Janeiro (RJ), Marilena passou a viver na clandestinidade a
partir de 1969. Juntamente com seu companheiro Mário de Souza Prata, ela
foi presa e morta nos primeiros dias de abril de 1971, no Rio de
Janeiro. Ambos eram integrantes do MR-8, com militância anterior na ALN.
A versão ofi cial divulgada pelos órgãos de segurança registrava que,
em 2 de abril, os dois teriam entrado em enfrentamento com agentes da
Brigada de Paraquedistas do Exército, na rua Niquelândia, no 23, em
Campo Grande. Mário teria morrido na hora, enquanto Marilena, ferida,
teria falecido posteriormente. Segundo relatório de prisão feito por
Inês Etienne Romeu em 1981, Marilena foi levada para um sítio
clandestino em Petrópolis (RJ), que fi cou conhecido como “Casa da
Morte”. Em abril de 1997, Inês confi rmou tal informação: “A pedido,
confirmo integralmente o meu depoimento de próprio punho, sobre fatos
ocorridos na casa em Petrópolis-RJ, onde fiquei presa de 8/5 a 11/8 de
1971. Esse depoimento é parte integrante do processo no MJ-7252/81 do
CDDPH, do MJ. Nesse depoimento está registrado que o ‘dr. Pepe’ contou
ainda que Marilena Villas Boas Pinto estivera naquela casa e que fora,
como Carlos Alberto Soares de Freiras, condenada à morte e executada.
HELENY FERREIRA TELLES GUARIBA (1941-1971)
Paulista de Bebedouro, Heleny foi casada com Ulisses Telles Guariba,
professor de história na USP, de quem tinha sido colega na Faculdade de
Filosofia da mesma universidade. Tiveram dois filhos. Ela se
especializou em cultura grega, trabalhou em teatro e deu aulas na Escola
de Arte Dramática de São Paulo (EAD). Em 1965, Heleny recebeu uma bolsa
de estudos do Consulado da França em São Paulo, especializando-se na
Europa até 1967. Ao voltar ao Brasil foi contratada pela Prefeitura de
Santo André para dirigir o grupo de teatro da cidade. Em março de 1970,
foi presa pela primeira vez, em Poços de Caldas (MG), por sua militância
na VPR. Heleny foi torturada na Operação Bandeirante (DOI-Codi/SP)
pelos capitães Albernaz e Homero. Ficou internada no Hospital Militar
dois dias, em razão de hemorragia provocada pelos espancamentos, até ser
transferida para o Dops/SP e depois para o Presídio Tiradentes, onde
foi assistida pelo advogado José Carlos Dias, que seria mais tarde
presidente da Comissão Justiça e Paz de São Paulo e, posteriormente,
ministro da Justiça. Solta em abril de 1971, a militante preparava-se
para deixar o país quando, três meses depois, em 12 de julho, foi presa
no Rio de Janeiro por agentes do DOI-Codi/RJ, juntamente com Paulo de
Tarso Celestino da Silva, da ALN. Seus familiares e advogados fizeram
buscas persistentes por todos os órgãos de segurança. Apesar do silêncio
e da negativa sistemática das autoridades, as provas acerca da prisão e
do desaparecimento dos dois militantes foram sendo coletadas. Inês
Etienne Romeu, em seu relatório de prisão, testemunhou que, durante o
período em que esteve sequestrada no sítio clandestino em Petrópolis
(RJ), conhecido como “Casa da Morte”, ali estiveram, no mês de julho de
1971, dentre outros desaparecidos, Walter Ribeiro Novaes, Paulo de Tarso
e uma moça, que acredita ser Heleny. Lá, ela foi torturada durante três
dias, inclusive com choques elétricos na vagina.
IARA IAVELBERG (1944-1971)
Durante muito tempo, prevaleceu a versão de que Iara Iavelberg se
matou, disparando contra o próprio coração, para evitar as torturas a
que certamente seria submetida se fosse apanhada viva no apartamento da
Pituba, em Salvador, em 20 de agosto de 1971, onde estava encurralada
pelos órgãos de segurança do regime ditatorial, entre eles, agentes do
DOI-Codi/RJ deslocados para aquele estado na perseguição final a Carlos
Lamarca, morto no mês seguinte. No momento de sua morte, Iara Iavelberg
era uma das pessoas mais procuradas pelos órgãos de repressão política
em todo o país, na medida em que já era conhecida sua relação amorosa
com Lamarca, inimigo número 1 do regime naquela época. Nascida em uma
família judia estabelecida no bairro do Ipiranga, em São Paulo, Iara
Iavelberg sempre foi tida como pessoa muito inteligente e precoce, tendo
interesse por diversificadas áreas da vida cultural, além de ser
valorizada pela sua beleza física. Foi militante da Política Operária
(Polop), da VAR-Palmares e da VPR, tendo ingressado no MR-8 poucos meses
antes de morrer. Na VPR, participou de treinamentos de guerrilha no
Vale do Ribeira, interior de São Paulo. Na tradição judaica, os suicidas
devem ser enterrados numa quadra específica do cemitério e com os pés –
não a cabeça, como é usual – virados para a lápide. Apenas em 22 de
setembro de 2003, encerrando treze anos de ações judiciais mantidas
pelos familiares, com apoio do advogado e deputado Luiz Eduardo
Greenhalgh, o corpo de Iara foi finalmente exumado e retirado da ala dos
suicidas do Cemitério Israelita de São Paulo. Importantes perguntas não
encontraram ainda uma resposta definitiva: por que não foi realizada a
perícia de local, com fotos da arma utilizada para o suicídio, nem
exames papiloscópicos para comprovar o suicídio? Por que limparam o
pequeno banheiro onde teria se suicidado tão procurada guerrilheira,
antes de tirar as fotos com que se tenta demonstrar o local de suicídio?
Por que o relatório detalhado do que aconteceu em Pituba nunca foi
apresentado?
NILDA CARVALHO CUNHA (1954-1971)
Nilda Carvalho Cunha foi presa na madrugada de 19 para 20 de agosto
de 1971, Foi levada para o Quartel do Barbalho e, depois, para a Base
Aérea de Salvador. Sua prisão é confirmada no relatório da Operação
Pajuçara, desencadeada para capturar ou eliminar o guerrilheiro Carlos
Lamarca e seu grupo. Nilda foi liberada no início de novembro do mesmo
ano, profundamente debilitada em consequência das torturas sofridas.
Morreu em 14 de novembro, com sintomas de cegueira e asfixia. Ela tinha
acabado de completar 17 anos quando foi presa. Fazia o curso secundário e
trabalhava como bancária na época em que passou a militar no MR-8 e a
viver com Jaileno Sampaio. Ela ouvia gritos dos torturados, do próprio
Jaileno, seu companheiro, e se aterrorizava com aquela ameaça de
violência num lugar deserto. Naquele mesmo dia vendaram-lhe os olhos e
ela se viu numa sala diferente quando pôde abri-los. Bem junto dela
estava um cadáver de mulher: era Iara, com uma mancha roxa no peito, e a
obrigaram a tocar naquele corpo frio. No início de novembro, decidem
libertá-la. Na saída, descendo as escadas, ela grita: – Minha mãe, me
segure que estou ficando cega. Foi levada num táxi, chorando,
sentindo-se sufocada, não conseguia respirar. Daí para a frente foi
perdendo o equilíbrio: depressões constantes, cegueiras repentinas, às
vezes um riso desesperado, o olhar perdido. Não dormia, tinha medo de
morrer dormindo, chorava e desmaiava. – Eles me acabaram, repetia sempre
[...].
Leia o post - homenagem a ela no blog http://www.comunistas.spruz.com/pt/Poderia-ter-sido-sua-filha-sua-irm-sua-namorada/blog.htm
GASTONE LÚCIA DE CARVALHO BELTRÃO (1950-1972)
Alagoana de Coruripe, Gastone manifestou desde jovem preocupação com
as desigualdades sociais. Ainda adolescente, visitava presos comuns,
levando-lhes roupas e alimentos. Estudou nos colégios Imaculada
Conceição e Moreira e Silva, em Maceió, e concluiu o segundo grau no Rio
de Janeiro, Em 1968, de volta a Maceió, Gastone prestou vestibular para
Economia na Universidade Federal de Alagoas, entrando em terceiro
lugar. A partir de então, sua militância política se tornou mais
efetiva, inicialmente na JUC (Juventude Estudantil Católica). Em 1969,
já integrada à ALN, viajou para Cuba, onde recebeu treinamento militar.
Foi localizada e executada em São Paulo pela equipe do delegado Sérgio
Paranhos Fleury, quando tinha retornado ao Brasil havia menos de um mês.
No entanto, a versão oficial, que prevaleceu durante muitos anos,
indicava a morte de Gastone em tiroteio com a polícia. Por solicitação
da CEMDP, o processo de Gastone foi submetido a exame pelo perito
criminal Celso Nenevê. O perito se concentrou em duas lesões, uma na
região cmamária e outra na região frontal. Ampliou a foto da ferida na
região mamária 20 vezes. Abramovitc descrevera a lesão como resultante
de “tangenciamento de projétil de arma de fogo”. Nenevê concluiu que, ao
invés de tiro, tratava-se de uma lesão em fenda, produzida por faca ou
objeto similar. As circunstâncias da morte não puderam ser
restabelecidas com clareza até hoje, mas a CEMDP reconheceu, por decisão
unânime, que Gastone Lúcia Carvalho Beltrão, cujo cadáver mostrava 34
lesões, na maioria tiros, mas também facada, marca de disparo à
queima-roupa, fraturas, ferimentos e equimoses, não morrera no violento
tiroteio alegado pelo Dops e pelos documentos ofi ciais, e sim depois de
presa pelos agentes dos órgãos de segurança.
ÍSIS DIAS DE OLIVEIRA (1941-1972)
Ísis nasceu e cresceu em São Paulo. Iniciou os estudos no Grupo
Estadual Pereira Barreto, fez o ginasial no Colégio Estadual Presidente
Roosevelt e o curso clássico no Colégio Santa Marcelina. Estudou piano e
fez curso de pintura e escultura na Fundação Álvares Penteado. Em 1965,
iniciou o curso de Ciências Sociais na USP e passou a morar no Crusp, o
conjunto residencial da universidade. Trabalhou no Cursinho do Grêmio
da Faculdade de Filosofia e casou-se, em 1967, com José Luiz Del Royo,
também integrante da ALN na fase de sua fundação e, em 2006, eleito
senador na Itália. Ísis frequentou o curso de Ciências Sociais até o
terceiro ano e, segundo informações dos órgãos de segurança, esteve em
Cuba, onde participou de treinamento de guerrilha em 1969. Já separada
de Del Royo, retornou clandestinamente ao Brasil e se estabeleceu no Rio
de Janeiro a partir de meados de 1970. Em 30 de janeiro de 1972, Ísis,
juntamente com Paulo César Botelho Massa, que residia na mesma casa que
ela e também militava na ALN, foi presa pelo DOI-Codi/RJ. No dia 4 de
fevereiro, Aurora Maria Nascimento Furtado, colega de Ísis na USP e na
ALN, que também seria morta sob torturas dez meses depois, telefonou a
Edmundo, pai de Ísis, avisando da prisão da amiga. “Ela corre perigo,
tratem de localizá-la”, disse-lhe. E foi o que tentaram com
persistência: impetraram cinco habeas corpus por meio da advogada Eny
Raimundo Moreira, todos negados. Foram a todas as unidades do Exército,
Marinha e Aeronáutica do Rio de Janeiro e de São Paulo, e onde mais
imaginassem poder ter notícias de Ísis. Vasculharam os arquivos dos
cemitérios do Rio de Janeiro, Caxias, Nilópolis, São João de Meriti,
Nova Iguaçu e São Gonçalo. Sem falar das muitas cartas escritas com a
letra miúda da mãe ao presidente da República, às autoridades civis e
religiosas. Dezenas de pastas guardam os documentos da família na busca
por Ísis. Em matéria do jornal Folha de S.Paulo, publicada em 28 de
janeiro de 1979, um general de destacada posição dentro dos órgãos de
repressão confirmou a morte de Ísis e de Paulo César, dentre outros dez
desaparecidos. No arquivo do Dops/PR, em uma gaveta com a identificação
“falecidos”, foi encontrada a ficha da militante da ALN. A única prova
concreta obtida em todos esses anos de busca foi dada pelo ex-médico
Amílcar Lobo, que servia ao DOI-Codi/RJ e reconheceu a foto de Ísis
dentre os presos que lá atendeu, sem precisar a data, numa entrevista
publicada pela IstoÉ em 8 de abril de 1987. Dona Felícia faleceu em 24
de fevereiro de 2010.
MIRIAM LOPES VERBENA (1946-1972)
Miriam era casada com Luís Alberto Andrade de Sá e Benevides,
dirigente nacional do PCBR. Depois das inúmeras prisões que atingiram a
organização no Rio de Janeiro a partir de 1970, vários de seus
integrantes foram deslocados para atuar no Nordeste, entre eles, Luís
Alberto. Miriam, também militante do partido, era professora e, quando
morreu, estava grávida de oito meses. As circunstâncias das mortes dos
dois ainda seguem recobertas de mistério e dúvidas: acidente rodoviário
ou assassinato? A versão oficial é de que faleceram em decorrência de um
acidente de carro, conforme informações encontradas nos arquivos do
Dops/PE. No entanto, um documento da Comissão de Familiares de Mortos e
Desaparecidos Políticos, elaborado por Iara Xavier Pereira após
minuciosa pesquisa, revela que o acidente foi causado pela perseguição
ao casal de militantes.
LÍGIA MARIA SALGADO NÓBREGA (1947-1972)
MARIA REGINA LOBO LEITE DE FIGUEIREDO (1938-1972)
Lígia e Maria Regina foram assassinadas em 29 de março de 1972 no
episódio conhecido como “Chacina de Quintino”, juntamente com outros
dois militantes da VAR-Palmares: Antônio Marcos Pinto de Oliveira e
Wilton Ferreira. Até hoje, as circunstâncias dessas mortes não foram
esclarecidas. A versão dos órgãos de segurança só foi divulgada uma
semana depois, em 6 de abril. As manchetes dos jornais informavam que
nove militantes teriam se entrincheirado na casa 72, na avenida
Suburbana, no 8.695, no bairro de Quintino, no Rio de Janeiro. Em
tiroteio com a polícia, três deles teriam morrido no local (Antônio
Marcos, Lígia Maria e Maria Regina), enquanto os demais teriam
conseguido fugir. Segundo o “Livro Negro” do Exército, essa residência
seria o aparelho onde moravam James Allen da Luz, o principal dirigente
da VAR naquele momento, e Lígia Maria. O número da casa também é
informado em documentos oficiais como sendo 8.988. Lígia Maria, a
terceira de seis irmãos, nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte, mas
viveu desde criança em São Paulo. Estudou no Colégio Estadual Fernão
Dias, no bairro de Pinheiros, onde fez o curso normal. Em 1967,
ingressou no curso de Pedagogia da USP, onde se destacou por sua
capacidade intelectual, pela liderança no grêmio local e por buscar
modernizar os métodos de ensino. Trabalhava também como professora. Em
1970, engajou-se nas atividades clandestinas da VAR-Palmares. Os órgãos
de segurança a indicavam como participante da execução de um marinheiro
inglês, David Cuthberg, em 5 de fevereiro de 1972, numa ação que
pretendia simbolizar a solidariedade dos revolucionários brasileiros com
a luta do povo irlandês e com o Exército Republicano Irlandês (IRA).
Foi morta aos 24 anos, quando estava grávida de dois meses. Maria Regina
nasceu no Rio de Janeiro, sendo a quinta dos seis filhos de um médico
pesquisador do Fundação Oswaldo Cruz e de uma assistente social do
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps).
Fez o primário e o ginásio no Colégio Sacré-Coeur de Jésus e o
científico nos colégios Resende e Aplicação, da Faculdade Nacional de
Filosofia. Formou-se em Pedagogia em 1960 pela Faculdade Nacional de
Filosofia da Universidade do Brasil (atual UFRJ). Foi integrante da
Juventude Estudantil Católica (JEC) e da Juventude Universitária
Católica (JUC) e desenvolveu longo trabalho como educadora na cidade de
Morros, interior do Maranhão, por meio do Movimento de Educação de Base
(MEB), apoiado pela Igreja Católica. Ali, permaneceu entre dois e três
anos. Foi então transferida para Recife, onde conheceu Raimundo
Gonçalves Figueiredo, com quem se casou em 1966. Na época, os dois eram
militantes da AP. Juntos, trabalharam em um projeto da Fundação Nacional
do Índio (Funai) para a educação de índios no Paraná. Após a morte de
Raimundo, em 28 de abril de 1971, Maria Regina voltou ao Rio de Janeiro.
O casal deixou duas filhas: Isabel e Iara, que tinham três e quatro
anos quando a mãe foi morta, aos 33 anos. Consta no “Livro Negro” do
Exército que Maria Regina era a responsável pelo setor de imprensa da
Var-Palmares no Rio de Janeiro, que produzia o jornal União Operária.
Maria Regina foi ferida na perna e, posteriormente, presa pelos agentes
policiais. Sua família, ao receber o corpo, constatou que a perna estava
inchada, o que indica que a militante não havia morrido naquele
momento. A família de Lígia morava em São Paulo quando recebeu a visita
de um agente policial que buscava informações sobre ela, pouco antes de
ver anunciada sua morte em um noticiário na televisão. Lígia foi
reconhecida no IML, em 7 de abril, pelo irmão Francisco, médico, que
comprovou a presença em seu corpo de escoriações e manchas escuras nas
costas e nas regiões laterais do corpo, além de marcas de tiros na
cabeça e no braço.
ANA MARIA NACINOVIC CORRÊA (1947-1972)
Enquanto os militantes da ALN Ana Maria Nacinovic Corrêa, Iuri Xavier
Pereira, Marcos Nonato da Fonseca e Antônio Carlos Bicalho Lana
almoçavam no restaurante Varella, no bairro da Mooca, em São Paulo, em
14 de junho de 1972, o proprietário do estabelecimento, Manoel Henrique
de Oliveira, telefonou para a polícia avisando da presença em seu
restaurante de algumas pessoas cujas fotos estavam nos cartazes de
terroristas procurados. Rapidamente, os agentes do DOI-Codi montaram
emboscada em torno do local, mobilizando grande contingente policial.
Como resultado da operação, morreram Ana Maria, Iuri e Marcos Nonato.
Antônio Carlos Bicalho Lana, mesmo ferido, conseguiu escapar e relatou o
ocorrido a seus companheiros. Ana Maria cursou o primário, ginásio e
científico no Colégio São Paulo, mantido por freiras em Ipanema, no Rio
de Janeiro. Terminou o científico com 17 anos e sua inclinação para a
matemática levou-a a frequentar um curso pré-vestibular para Engenharia,
plano que abandonou em função de seu casamento. Ligou-se à ALN no Rio
de Janeiro, mas foi deslocada para o comando regional da organização em
São Paulo, onde participou de inúmeras ações armadas entre 1971 e 1972.
Ana Maria havia sido a única sobrevivente da emboscada armada pelo
DOI-Codi/SP em setembro de 1971, na rua João Moura, em São Paulo, na
qual um comando da ALN caiu. Somente a partir da abertura dos arquivos
do Dops/SP começaram a surgir elementos que colocaram em dúvida a versão
de que Ana Maria, Iuri e Marcos teriam morrido em tiroteio. Não foi
possível reconstituir toda a verdade dos fatos, mas as mortes certamente
não ocorreram no local, conforme a narrativa oficial. O depoimento de
uma testemunha, documentos oficiais localizados e perícias realizadas
nos restos mortais dos militantes derrubaram tal hipótese. A Comissão
Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) apurou que os
três militantes não foram levados diretamente para o Instituto Médico
Legal (IML), e sim à 36a DP, na rua Tutoia, sede do DOI-Codi/SP, em cujo
pátio foram vistos pelo preso político Francisco Carlos de Andrade.
Francisco não conhecia Marcos Nonato, mas reconheceu os corpos de Ana
Maria e Iuri.
ESMERALDINA CARVALHO CUNHA (1922-1972)
Esmeraldina Carvalho Cunha foi encontrada morta na sala de sua casa,
em Salvador, em 20 de outubro de 1972, aos 49 anos. Seu corpo estava
pendurado num fio de máquina elétrica. Esmeraldina fora casada com
Tibúrcio Alves Cunha Filho, com quem teve cinco fi lhas. A mais nova,
Nilda Carvalho Cunha, havia morrido um ano antes, em 14 de novembro de
1971, após dois meses de prisão e torturas em Salvador. Outra filha,
Leônia, foi militante do PCB e da Polop. Lúcia também chegou a ser
presa, mas foi logo solta. A mais velha, Lourdes, foi cruelmente
assediada durante muito tempo por agentes do Exército, o que lhe causou
sérios problemas emocionais e comportamentais. Esmeraldina, mãe
exemplar, separada do marido, lutava pela vida de suas filhas
militantes. A dor pela morte de sua caçula, Nilda, a transtornou. Mas
seu suposto suicídio sempre foi questionado pela família. Sua filha mais
nova fora presa na madrugada de 20 de agosto de 1972. Assim que soube
da prisão de Nilda, Esmeraldina revirou a Bahia. Procurou os comandantes
militares, o juiz de menores, advogados, tentou romper a
incomunicabilidade imposta pelo regime. Só conseguiu ver a filha tempos
depois, na Base Aérea de Salvador, quando a encontrou em estado
lastimável, em consequência das torturas. Esmeraldina enfrentou, por
duas vezes, o major Nilton de Albuquerque Cerqueira, um dos carcereiros
da filha. Na primeira vez, o major tentou impor como condição para a
soltura de Nilda que a mãe voltasse a viver com o ex-marido, fato que
não se concretizou e quase impediu a liberdade da filha. Na segunda vez,
o major esteve no quarto de hospital em que Nilda, já em liberdade,
estava internada para tratamento. Sua presença e as ameaças de fazê-la
retornar à prisão agravaram o estado de Nilda, que morreu dias depois,
em circunstâncias nunca esclarecidas. “Ela não se conformava com a morte
da fi lha, chorava, andava pelas ruas da cidade, delirava e gritava: –
Eles mataram minha filha, uma criança! Eles mataram minha filha. São
assassinos, do Exército, do governo. O relatório da CEMDP constata que a
angústia e o desespero pela morte da fi lha deixaram Esmeraldina
inconsolável. Destaca, ainda, o relato da filha Leônia de que a mãe, um
dia antes de morrer, comprara móveis novos para a casa e, ao encontrá-la
dependurada, pudera ver que havia marcas de sangue no chão, sua face
não estava arroxeada, sua língua não estava para fora, não houvera
deslocamento da carótida e mal trazia marca do fi o no pescoço. A CEMDP
considerou que a morte de Esmeraldina Carvalho Cunha se deu em
consequência de seus atos públicos contrários aos interesses da época,
resultantes de seu inconformismo e de seu conhecimento das atrocidades
praticadas por agentes do poder público.
AURORA MARIA NASCIMENTO FURTADO (1946-1972)
Estudante de Psicologia na Universidade de São Paulo, Aurora havia
sido responsável pelo setor de imprensa da União Estadual dos Estudantes
de São Paulo, em 1968. Nesse período, era conhecida como Lola e
namorava José Roberto Arantes de Almeida, dirigente da União Nacional
dos Estudantes (UNE), que seria morto em São Paulo, em 1971, quando
militava no Movimento de Libertação Popular (Molipo). Foi também
funcionária do Banco do Brasil, na agência Brás, capital paulista. Foi
presa em 9 de novembro de 1972, em Parada de Lucas, depois de ser detida
numa blitz policial realizada pelo 2o Setor de Vigilância Norte. Nessa
época, era uma das pessoas mais procuradas da ALN no Rio de Janeiro.
Tentando romper o cerco, teria matado um policial. Após correr alguns
metros, foi aprisionada viva, dentro de um ônibus onde havia se
refugiado, e conduzida imediatamente para a delegacia de Invernada de
Olaria. Aurora foi submetida a pau de arara, sessões de choques
elétricos, espancamentos, afogamentos e queimaduras. Aplicaram-lhe
também a coroa de cristo”, fita de aço que vai sendo apertada
gradativamente e aos poucos esmaga o crânio. Morreu no dia seguinte.
Entretanto, seu corpo, crivado de balas, foi jogado na esquina das ruas
Adriano e Magalhães Couto, no bairro do Méier. A versão oficial
divulgada foi de que ela teria sido morta a tiros durante tentativa de
fuga.
LOURDES MARIA WANDERLEY PONTES (1943-1972)
Em 17 de janeiro de 1973, os órgãos de segurança do regime militar
tornaram públicas as mortes de seis militantes do PCBR (Lourdes,
Fernando Augusto da Fonseca, Getúlio de Oliveira Cabral, José Bartolomeu
Rodrigues de Souza, José Silton Pinheiro e Valdir Sales Saboia),
ocorridas, segundo a nota oficial, em 29 de dezembro do ano anterior, no
Rio de Janeiro, em função de tiroteios. Na verdade, todos foram mortos
depois de presos. Lourdes Maria era pernambucana de Olinda. Fez o
primário e o ginásio no Recife, mas não chegou a concluir os estudos em
razão de sua militância política a partir de 1968. Em 1969, casou-se com
Paulo Pontes da Silva, com quem se mudou para Natal (RN), fugindo da
repressão política. Novamente perseguido, o casal transferiu-se, em
fevereiro de 1970, para Salvador (BA). No entanto, no mesmo ano, Paulo
foi preso e, posteriormente, condenado à prisão perpétua, por coautoria
no assassinato de um sargento da Aeronáutica que o conduzia algemado.
Após a prisão do marido, Lourdes foi deslocada para a militância
clandestina no Rio de Janeiro. A versão sobre as seis mortes, divulgada
pelo serviço de Relações Públicas do I Exército sob o título “Destruído o
grupo de fogo terrorista do PCBR/GB”, informava que, em ações
simultâneas em pontos diferentes do estado da Guanabara, teriam morrido
os seis militantes, um fi cara ferido, outro escapara ao ser perseguido e
dois teriam sido presos. A verdade completa dos fatos ainda não foi
recuperada, mas ficou comprovado o teatro montado para a falsa versão
oficial, constatada nos próprios documentos oficiais localizados no
Instituto Médico Legal (IML) e no Instituto Carlos Éboli, que realizou
as perícias de local. Para cada uma das vítimas do massacre foi dada uma
versão, mas os corpos dos seis militantes deram entrada no IML às 2h30
do dia 30 de dezembro. Supondo verdadeira a versão ofi cial, o lógico
seria que dessem entrada em horários distintos, já que teriam morrido em
locais distantes e em horários diferentes. O bairro do Grajaú é muito
distante de Bento Ribeiro, mas próximo da sede do DOI-Codi, na rua Barão
de Mesquita. As guias de encaminhamento dos corpos são sequenciais:
Lourdes Maria, no 8; Fernando Augusto, no 9; Valdir, no 10; Getúlio, no
11; José Silton, no 12; e José Bartolomeu, no 13. Todos entraram como
desconhecidos, mesmo Fernando Augusto, que oficialmente estava preso
desde o dia 26. A própria sequência já demonstra que os corpos não foram
levados diretamente do local da morte para o IML. Em Bento Ribeiro,
teria havido violento tiroteio. Segundo a versão oficial, os militantes
teriam usado até granadas de mão. No entanto, as fotos da perícia
técnica desmentem tais informações: o corpo de Lourdes Maria está
encostado na parede, num canto da sala, encolhido atrás de um vaso de
planta que fora usada como árvore de Natal, com as bolas de vidrilho
intactas. Não há nenhuma marca de tiros nas paredes. Lourdes recebeu,
dentre outros, três tiros sequenciais no tórax, característicos de
execução, e um no pulso direito, característico de ferimento decorrente
de uma posição de defesa. Em algumas fotos, Lourdes aparece usando
relógio de pulso e, em outras, no mesmo local, o relógio já não aparece.
Apesar de tantos tiros, não são vistas poças de sangue ao seu redor.
SOLEDAD BARRETT VIEDMA (1945-1973)
Nascida no Paraguai e tida como mulher de rara beleza, Soledad era
neta de um importante escritor, jornalista e intelectual paraguaio,
nascido na Espanha: Rafael Barrett. Tanto o pai quanto o avô foram
perseguidos por suas ideias políticas. Assim, quando Soledad tinha
apenas três meses de idade, a família fugiu para a Argentina, onde viveu
cinco anos; em quatro dos quais o pai esteve preso ou foi perseguido,
tanto pela polícia paraguaia quanto pela argentina. No Uruguai, de
acordo com sua irmã Namy Barrett, Soledad foi raptada em julho de 1962,
aos 17 anos, por um grupo neonazista, que a colocou em um automóvel e,
sob ameaças, quis obrigá-la a gritar palavras de ordem contrárias às
suas ideias. Por ter se negado, os raptores gravaram em sua carne, com
uma navalha, a cruz gamada, símbolo do nazismo. Começou assim um ciclo
de perseguições e prisões mostrando que, para a polícia uruguaia,
Soledad passou de vítima a culpada. Ela decidiu deixar o país e seguiu
para Cuba, onde conheceu o exilado brasileiro José Maria Ferreira de
Araújo – militante da VPR conhecido como Arariboia ou Ariboia,
desaparecido no Brasil em 1970 –, com quem se casou e teve uma filha,
Nasaindy de Araújo Barrett. No Brasil, onde passou a militar pela mesma
organização, Soledad foi morta, juntamente com mais seis companheiros,
no chamado Massacre da Chácara São Bento, ocorrido entre 7 e 9 de
janeiro de 1973 em Paulista, na grande Recife.
PAULINE PHILIPE REICHSTUL (1947-1973)
Filha de judeus poloneses, Pauline Reichstul nasceu em Praga (na
então Tchecoslováquia), em 1947. Seus pais eram sobreviventes da Segunda
Guerra e casaram-se depois de encerrado o conflito. Quando a menina
tinha dezoito meses, a família mudou-se para Paris, onde viveu até 1955,
voltando então a imigrar, agora para o Brasil. Com 8 anos de idade,
Pauline foi estudar no Liceu Pasteur, em São Paulo. Viveu também em
Israel, por um ano e meio, onde trabalhou e estudou. Depois de curtos
períodos na Dinamarca e na França, fixou residência na Suíça, em 1966,
primeiramente em Lausanne e depois em Genebra. Em 1970, Pauline
completou o curso de Psicologia na Universidade de Genebra. Nesse
período, passou a ter contatos com movimentos de estudantes brasileiros
de resistência ao regime militar. Assim, passou a trabalhar com vários
órgãos de divulgação na Europa, denunciando as violações de direitos
humanos no Brasil, especialmente as torturas e mortes de militantes. Foi
esposa de Ladislau Dowbor, dirigente da VPR banido do país em junho de
1970 em virtude do sequestro do embaixador alemão no Brasil. Pauline e
mais cinco companheiros da VPR foram mortos no Massacre da Chácara São
Bento, ocorrido entre 7 e 9 de janeiro de 1973 em Paulista (hoje, Abreu e
Lima), na grande Recife. A versão do regime militar era de que as
mortes teriam ocorrido em consequência de um tiroteio. No entanto, a
investigação sobre o caso na Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos (CEMDP) reuniu provas de que, na realidade, os
militantes da VPR foram detidos em lugares distintos e, posteriormente,
torturados.
ANATÁLIA DE SOUZA MELO ALVES (1945-1973)
Anatália de Souza Melo Alves concluiu o científi co no colégio
estadual de Mossoró (RN), cidade onde residiu até novembro de 1968,
quando se casou com Luiz Alves Neto. Até essa época, havia trabalhado na
Cooperativa de Consumo Popular e morado num conjunto populardo Fundo de
Apoio à População de Sub-Habitação Urbana (Fundap). Militantes do PCBR,
Anatália e Luiz mudaram-se para o Recife após a decretação do AI-5,
quando passaram a desenvolver trabalho político com os trabalhadores
rurais da Zona da Mata de Pernambuco.Viveram também em Campina Grande
(PB), Palmeira dos Índios (AL) e Gravatá (PE), onde foram localizados
por agentes do DOI-Codi. Segundo informação policial, às 17h20 do dia 22
de janeiro de 1973, enquanto tomava banho sob a vigilância do agente
policial Artur Falcão Dizeu, Anatália teria ateado fogo ao corpo e se
suicidado com uma tira de couro. Entretanto, pelo que pode ser
constatado nas fotos do laudo do Instituto de Polícia Técnica (IPT) de
Pernambuco, Anatália colocou fogo apenas em seus órgãos genitais. No
livro Dos filhos deste solo, Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio
escrevem: “A versão de suicídio não convenceu os presos políticos da
época. As queimaduras, inexplicadas, levaram-nos à suspeita de que
Anatália teria sido vítima de violências sexuais, quando se encontrava
psicologicamente abalada pelas torturas e pelo clima de terror nos
cárceres de Pernambuco. Sua morte e as queimaduras na região pubiana
seriam uma forma de impedir que ela denunciasse os responsáveis pelas
sevícias”.
MARIA AUGUSTA THOMAZ (1947-1973)
Em maio de 1973, os militantes do Molipo Maria Augusta Thomaz e
Márcio Beck Machado foram mortos no sul de Goiás, na fazenda Rio Doce,
entre Rio Verde e Jataí, a 240 km de Goiânia. Maria Augusta tinha sido
estudante da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiae,
em São Paulo. Em 1968, foi indiciada em inquérito por sua participação
no 30o Congresso da UNE, realizado em Ibiúna (SP). Após a morte de seu
namorado, José Wilson Lessa Sabag, em setembro de 1969, ela teve de
passar para a clandestinidade. Em seguida, foi identificada como
participante do sequestro de um avião da Varig, em 4 de novembro do
mesmo ano, desviado para Cuba durante a rota Buenos Aires-Santiago. Em
Cuba, depois de receber treinamento militar, alinhou-se ao grupo
dissidente da ALN que ficou conhecido como Grupo dos 28, depois Molipo, e
foi uma das primeiras integrantes dessa organização a retornar ao
Brasil, no início de 1971. Embora um documento dos órgãos de segurança,
encaminhado em 1978 ao delegado Romeu Tuma, diretor do Dops, registrasse
claramente a informação sobre as mortes de Márcio e Maria Augusta, as
autoridades do regime ditatorial jamais comunicaram tal fato aos
familiares. No Boletim Informativo do Ministério do Exército datado de
janeiro de 1976, os nomes dos dois foram retirados da lista de
procurados por serem considerados mortos.
RANÚSIA ALVES RODRIGUES (1945-1973)
Ranúsia e outros três militantes do PCBR (Almir Custódio de Lima,
Ramires Maranhão do Valle e Vitorino Alves Moitinho) foram mortos pelos
órgãos de segurança do regime militar em 27 de outubro de 1973, no Rio
de Janeiro. A cena para a legalização das execuções foi montada na praça
Sentinela, em Jacarepaguá. Ramires, Almir e Vitorino aparecem
totalmente carbonizados dentro de um Volkswagen, enquanto o corpo de
Ranúsia jaz baleado, embora não queimado. Os documentos oficiais dos
arquivos dos Ministérios do Exército, Marinha e Aeronáutica mostram
versões desencontradas de tal acontecimento. Alguns fatos só começaram a
ser esclarecidos com a abertura dos arquivos secretos do Dops, no Rio
de Janeiro, São Paulo e Pernambuco. No livro Dos fi lhos deste solo,
Nilmário Miranda e Carlos Tibúrcio assim registraram o episódio: Chovia
na noite de 27 de outubro de 1973, um sábado. Alguns poucos casais
escondiam-se da chuva junto do muro do Colégio de Jacarepaguá, no Rio.
Por volta das 22 horas, um homem desceu de um Opala e avisou:
“Afastem-se porque a barra vai pesar”. O repórter de Veja (7/11/1973)
localizou alguém que testemunhou o significado desse aviso: “Não ouvimos
um gemido, só os tiros, o estrondo e a correria dos carros”. [...]
Vindos de todas as ruas que levam à praça, oito ou nove carros foram
chegando, cercando um fusca vermelho de placa AA 6960 e despejando
tiros. Depois jogaram uma bomba dentro do carro. No final, havia uma
mulher morta com quatro tiros no rosto e peito e três homens
carbonizados. Essa mulher era Ranúsia Alves Rodrigues, pernambucana de
Garanhuns e estudante de Enfermagem da Universidade Federal de
Pernambuco. Já havia sido presa uma vez, em Ibiúna (SP), em 1968, quando
participava do 30o Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE). Em
consequência disso, foi expulsa da universidade pelo Decreto 477, no
ano seguinte. Vivendo na clandestinidade como militante do PCBR, Ranúsia
teve uma filha, chamada Vanúsia. Em outubro de 1972, passou a atuar no
Rio de Janeiro. Documentos dos órgãos de segurança do regime militar
sustentavam que, em 25 de fevereiro de 1973, ela teria participado da
execução do delegado Octávio Gonçalves Moreira Júnior, do DOICodi/ SP,
em Copacabana. O relatório fala, ainda, de farta documentação encontrada
com ela, e menciona a morte dos quatro militantes, dando-lhes os nomes
completos. A versão divulgada pelo Dops é que os militantes do PCBR
perceberam a presença de “elementos suspeitos” e tentaram fugir,
acionando suas armas. Como o carro teria começado a pegar fogo, não foi
possível retirar as pessoas que estavam dentro. Laudo e fotos da perícia
no local mostram Ranúsia morta perto do carro, tendo, ao fundo, um
Volkswagen incendiado, onde estavam carbonizados Ramires, Vitorino e
Almir. No entanto, a investigação sobre o caso realizada pela Comissão
Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) considerou que a
versão oficial não se sustentava após o exame das provas anexadas ao
processo.
SÔNIA MARIA DE MORAES ANGEL JONES (1946-1973)
Sônia Maria era gaúcha de Santiago do Boqueirão e filha de um oficial
do Exército. Morava no Rio de Janeiro e trabalhava como professora de
português quando se casou com Stuart Edgar Angel Jones, militante do
MR-8 – mais tarde, morto sob torturas e procurado incansavelmente pela
mãe, a estilista Zuzu Angel, também morta por ação de agentes do poder
público. Em 1o de maio de 1969, Sônia foi presa quando participava de
manifestação de rua na praça Tiradentes. Foi levada para o Dops e,
posteriormente, para o presídio feminino São Judas Tadeu, sendo
libertada apenas em 6 de agosto daquele ano. Visada pelos órgãos de
segurança depois desse episódio, teve de se manter na clandestinidade.
Em maio de 1970, exilou-se na França, onde passou a estudar na
Universidade de Vincennes. Para se sustentar, lecionava português na
escola de línguas Berlitz, em Paris. Ao saber da prisão e
desaparecimento de Stuart, Sônia decidiu voltar ao Brasil e retomar a
luta de resistência. Ingressou então na ALN e morou algum tempo no
Chile, onde trabalhou como fotógrafa. Posteriormente, em maio de 1973,
retornou clandestinamente ao Brasil, estabelecendo-se em São Paulo e
depois em São Vicente, onde passou a viver com Antônio Carlos Bicalho
Lana. Presos em novembro do mesmo ano, os dois militantes foram
torturados até a morte e enterrados como indigentes no cemitério Dom
Bosco, em Perus, na capital paulista. Em 15 de novembro de 1973, Sônia e
Lana alugaram um apartamento em São Vicente, litoral de São Paulo. O
local passou a ser vigiado por agentes dos órgãos de segurança, que
informaram aos funcionários do condomínio que ali moravam “dois
terroristas muito perigosos”. A data exata da prisão nunca foi
estabelecida, mas sabe-se que era de manhã quando Antônio Carlos e Sônia
pegaram o ônibus da Empresa Zefir com destino a São Paulo. Vários
agentes já estavam dentro do coletivo. Simultaneamente, nas imediações
da agência de passagens do Canal 1, em São Vicente, encontravam-se
outros policiais à espera de que os dois descessem para comprar os
bilhetes, que não eram vendidos no próprio ônibus. Quando lá chegaram,
apenas Lana desceu do ônibus. Cinco agentes esperavam dentro da agência e
outros chegaram em vários carros. No guichê, o militante entrou em luta
corporal com os policiais, mas foi dominado a socos e pontapés, levando
uma coronhada de fuzil na boca. Sônia, ao levantar-se do banco, foi
agarrada e levou um pontapé nas costas. Saiu do ônibus algemada pelos
pés e foi colocada em um Opala, enquanto Lana foi empurrado para outro
carro. Há duas versões para a morte da militante. A primeira, do primo
de seu pai, o coronel Canrobert Lopes da Costa, ex-comandante do DOICodi
de Brasília e amigo pessoal do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra,
comandante do DOI-Codi de São Paulo: “Depois de presa, do DOI-Codi/SP
foi mandada para o DOI-Codi/RJ, onde foi torturada, estuprada com um
cassetete e mandada de volta a São Paulo, já exangue, onde recebeu dois
tiros”. A segunda, do ex-sargento Marival Dias Chaves do Canto, do
DOI-Codi/SP, em entrevista concedida à revista Veja, em 18 de novembro
de 1992: Antônio Carlos e Sônia foram presos no Canal 1, em Santos, onde
não houve qualquer tiroteio, nem ao menos um tiro, “apenas” a violência
dos agentes de segurança que conseguiram imobilizar o casal aos socos,
pontapés e coronhadas. [...] Eles foram torturados e assassinados com
tiros no tórax, cabeça e ouvido. [...] Foram levados para uma casa de
tortura, na zona sul de São Paulo, onde ficaram de cinco a dez dias até a
morte, em 30 de novembro. Depois disso, seus corpos foram colocados na
porta do DOI-Codi, para servir de exemplo, antes da montagem do
teatrinho. Ao tomar conhecimento da morte da fi lha pelos jornais, os
pais de Sônia foram para São Vicente. No apartamento, encontraram cinco
agentes dos órgãos de segurança. O pai da militante foi esbofeteado e
ameaçado de ser jogado do terceiro andar do prédio. Identificou-se como
tenente-coronel e conseguiu ser libertado, com a promessa de permanecer
em São Paulo, à disposição do II Exército. João Moraes guardava o
presente como uma relíquia, achando que a crueldade dos porões do regime
militar chegara ao ponto de ser aquele o instrumento que matara a
filha. Depois de muito relutar em acreditar que Sônia não fora morta no
tiroteio informado pelos militares, João Moraes tornou-se uma liderança
entre os familiares de mortos e desaparecidos políticos. Foi presidente
do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, enquanto sua esposa, Cléa, foi
secretária da mesma entidade por muitos anos. Antes de morrer, ele
publicou o livro O calvário de Sônia: uma história de terror nos porões
da ditadura, que registra a história da vida e morte de sua fi lha, bem
como a dolorosa peregrinação que ele e sua esposa realizaram na busca do
corpo e do esclarecimento completo de sua morte sob torturas. Em 19 de
setembro de 1992, na gestão de Luiza Erundina como prefeita de São
Paulo, foi inaugurado o complexo viário João Dias – nas proximidades da
praça Alceu Amoroso Lima e da marginal do rio Pinheiros –, formado por
três grandes viadutos. Um deles foi batizado com o nome de Sônia Maria
de Moraes Angel Jones.
MARIA LÚCIA PETIT DA SILVA (1950-1972)
Maria Lúcia Petit da Silva e Bergson Gurjão Farias foram os únicos
desaparecidos na Guerrilha do Araguaia que tiveram, até agora, o direito
de serem sepultados por suas famílias. Morta aos 22 anos de idade,
Maria Lúcia foi sepultada pela família em Bauru (SP) em 16 de junho de
1996. Estava desaparecida desde 1972. Cursou o primário, o ginasial e os
dois primeiros anos do curso normal em Duartina (SP), vindo a
concluí-lo em São Paulo, no Instituto de Educação Fernão Dias, em 1968,
quando participou do movimento estudantil secundarista. Em 1969, prestou
concurso para o magistério. Foi professora primária na Vila Nova
Cachoeirinha, na capital paulista. No início de 1970, tomou a decisão de
desenvolver sua militância política no interior do Brasil. Integrada ao
PCdoB, foi para Goiás e, em seguida, para o sul do Pará, fi xando-se na
área de Caianos. Trabalhou na região ensinando crianças, às quais
dedicava muito carinho, e também em atividades de plantio, conquistando
simpatia entre os moradores das redondezas. Conforme depoimento de
Regilena Carvalho Leão de Aquino, uma das poucas sobreviventes da
guerrilha e companheira de Jaime Petit, irmão de Maria Lúcia, “nas
primeiras horas do dia 16 de junho de 1972, a menos de 2 km da casa do
‘João Coioió’, Jaime [Jaime Petit da Silva], Daniel [Daniel Ribeiro
Callado] e eu fomos acordados pelo disparo de um tiro ao longe e um
outro tiro em seguida. Da mesma direção dos sons dos disparos,
metralhadoras foram acionadas, quando o ruído distante de um helicóptero
em movimento tornava-se próximo das imediações. Estávamos acampados na
retaguarda, aguardando Maria [Maria Lúcia Petit da Silva], Cazuza
[Miguel Pereira dos Santos] e Mundico [Rosalindo de Souza] para
ajudá-los no transporte dos mantimentos encomendados ao ‘João Coioió’.
Retiramo-nos imediatamente e, ao final da tarde, acampamos nas
cabeceiras da chamada Grota da Cigana. Momentos mais tarde, enquanto
preparávamos o jantar – milho maduro em água e sal, cozido em fogo
brando – para esperar os três companheiros ausentes, surgiram Cazuza e
Mundico, ensopados de suor e afl ição. Perguntei pela Maria e a resposta
do Cazuza foi direta e crua: ‘A reação a matou’”. Merece registro
também a análise feita por Elio Gaspari no livro A ditadura escancarada:
“Os militares enterraram Maria num cemitério de Xambioá, com o corpo
embrulhado num pedaço de paraquedas e a cabeça envolta em plástico. A
ditadura fi xara um padrão de conduta. Fazia prisioneiros, mas não
entregava cadáveres. Jamais reconheceria que existissem. Quem morria,
sumia. Esse comportamento não pode ser atribuído às dificuldades
logísticas da região, pois a tropa operava de acordo com uma instrução
escrita: ‘Os PG [prisioneiros de guerra] falecidos deverão ser
sepultados em cemitério escolhido e comunicado. Deverão ser tomados os
elementos de identificação (impressões digitais e fotografias)’”.
HELENIRA RESENDE DE SOUZA NAZARETH (1944-1972)
Nascida na pequena cidade de Cerqueira César, próxima a Avaré, no
interior paulista, Helenira mudou-se aos 4 anos para Assis, onde
cresceu. Concluiu ali o curso clássico no Instituto de Educação Prof.
Clibas Pinto Ferraz, onde foi uma das fundadoras do grêmio de
representação dos alunos. Mudou-se então para São Paulo e cursou Letras
na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP),
localizada, naquele tempo, na rua Maria Antônia. Na época, foi eleita
presidente do Centro Acadêmico. Tornou-se importante liderança no
movimento estudantil, sendo conhecida também pelo apelido de “Preta”. A
primeira prisão de Helenira aconteceu em junho de 1967, quando escrevia
nos muros da Universidade Mackenzie, na própria rua Maria Antônia, a
frase: “Abaixo as leis da ditadura”. Voltou a ser presa em maio de 1968,
quando convocava colegas para uma passeata na capital paulista. Naquele
mesmo ano de fortes mobilizações estudantis, foi presa pela terceira
vez em Ibiúna (SP), agora como delegada no 30o Congresso da União
Nacional dos Estudantes (UNE), entidade da qual era vice-presidente.
Apontada como liderança no movimento estudantil, foi transferida do
Presídio Tiradentes para o Dops. Depois, a estudante seria levada para o
presídio feminino do Carandiru, onde fi cou detida por dois meses. A
família conseguiu libertá-la mediante habeas corpus na véspera da edição
do AI-5. A partir de então, Helenira, que já era militante do PCdoB,
passou a viver e a atuar na clandestinidade, morando em vários pontos da
cidade e do país antes de se mudar para o Araguaia. Conhecida como
Fátima naquela região, integrou o Destacamento A da guerrilha, unidade
que recebeu seu nome depois que ela foi morta, em 28 ou 29 de setembro
de 1972. Teria matado um militar e atingido outro, antes de ser ferida e
morta. Metralhada nas pernas e torturada até a morte, segundo
depoimento da ex-presa política Elza de Lima Monnerat na Justiça
Militar, foi enterrada na localidade de Oito Barracas. No “Livro Negro”
do Exército, divulgado pela imprensa em abril de 2007, consta, a
respeito dela, na página 724: “No dia 28 [de setembro de 1972], um grupo
que realizava um patrulhamento quase caiu numa emboscada fatal. No
entanto, falhou a arma ou fraquejou um dos terroristas e o grupo foi
alertado. Como se tratasse de uma passagem perigosa, o grupo tinha
exploradores evoluindo pela mata, os quais reagiram a tempo. O
terrorista cuja arma falhara logrou fugir. O outro, que abriu fogo com
uma espingarda calibre 16, caiu morto no tiroteio que se seguiu.
Trata-se de Helenira Resende de Souza Nazareth (Fátima), do destacamento
A”. No livro A lei da selva, o jornalista Hugo Studart transcreve o
seguinte trecho do diário do dirigente do PCdoB, Maurício Grabois, de
autenticidade ainda não comprovada, cuja narração tem pontos comuns e
pontos divergentes em relação ao Relatório Arroyo, acerca de Helenira:
Um deles, o sargento, veio para o lado do barranco onde estavam nossos
combatentes. Lauro, que portava arma longa semiautomática de nove tiros,
atrapalhou-se com a arma, não atirou e fugiu. O milico pressentiu a
Fátima e disparou o FAL em sua direção. Esta, com sua arma de caça 16, o
fuzilou. Em seguida, correu e se entrincheirou mais adiante. Um
soldado, que pesquisava o local à sua procura, foi por ela abatido
mortalmente com tiros de revólver 38. Ferida nas pernas, foi presa.
Perguntaram-lhe onde estavam seus co. Respondeu que poderiam matá-la,
pois nada diria. Então os milicos a assassinaram friamente. Seu corpo
foi enterrado nas Oito Barracas, para onde foi transportado em burro.
LÚCIA MARIA DE SOUZA (1944–1973)
Estudante da Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro, Lúcia
Maria participava do movimento estudantil como integrante do PCdoB. Era
responsável pela impressão e distribuição do jornal A Classe Operária,
no Rio de Janeiro, nos anos de 1969 e 1970, atividade que realizava
junto com Jana Moroni, também desaparecida no Araguaia. Afrodescendente,
cursava o quarto ano da faculdade e era estagiária do Hospital Pedro
Ernesto quando entrou para a clandestinidade, indo viver na região do
Araguaia, próximo de Brejo Grande. Vivia com Libero Giancarlo Castiglia,
também desaparecido. Destacou-se como parteira e no trabalho pesado de
derrubada da mata. Era membro do Destacamento A, utilizando o nome
Sônia. Em combate, foi ferida e morreu em 24 de outubro de 1973, próximo
da grota Água Fria, onde seu corpo teria sido abandonado, conforme
depoimento de Agenor Morais da Silva. De acordo com o Relatório Arroyo,
“no dia 23, pela manhã, dois outros companheiros foram levar, até a
estrada que vai para São Domingos, um rapazinho que, por acaso, se
encontrava com os nossos. Nesse mesmo dia, os demais, em número de onze,
deslocaram-se para a margem esquerda do Fortaleza. Dois helicópteros e
um avião começavam a sobrevoar a área. No dia 24, Sônia (Lúcia Maria de
Souza) e Manuel (Rodolfo de Carvalho Troiano) foram ao encontro dos dois
que haviam levado o rapazinho. Não encontraram. À tarde, novamente
Sônia e Wilson (elemento de massa) voltaram ao local de encontro.
Recomendou-se que não fossem por um piseiro antigo, pois ali poderia
haver soldados emboscados. Acontece que Sônia acabou indo pelo piseiro
e, como decidisse caminhar descalça, deixou a botina no caminho. Quando
voltou, não encontrou a botina. Pensou que fosse brincadeira de gente de
massa. Chamou por um nome conhecido. Apareceu uma patrulha do Exército,
que atirou nela, deixando-a ferida. Os soldados – segundo relatou gente
de massa – perguntaram-lhe o nome. E ela respondeu que era uma
guerrilheira que lutava por liberdade. Então, o que comandava a patrulha
respondeu: ‘Tu queres liberdade. Então toma...’ – desfechou vários
tiros e a matou. Wilson conseguiu escapar”.
JANA MORONI BARROSO (1948-1974)
Cearense de uma conhecida família de Fortaleza, Jana cresceu em
Petrópolis (RJ), onde praticou escotismo, primeiro como “lobinha” e
depois como “bandeirante”. Concluiu naquela cidade o ensino médio e
cursou até o quarto ano de Biologia na Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), onde se integrou à Juventude do PCdoB. Trabalhou, com
outros companheiros, como responsável pela imprensa clandestina do
partido. Em 21 de abril de 1971, foi deslocada para a localidade de
Metade, região do Araguaia, onde exerceu a atividade de professora e
ficou conhecida como Cristina, integrando o Destacamento A da guerrilha.
Dedicou-se também a atividades de caça e ao plantio. Casou-se com
Nelson Lima Piauhy Dourado. Ao se despedir dos pais, deixou-lhes uma
carta em que explicava as razões de sua opção política e um exemplar do
clássico de Gorki, A mãe, que narra uma sensível história de amor entre
um militante socialista e sua mãe na Rússia czarista. No livro Operação
Araguaia, Taís Morais e Eumano Silva escrevem: “Em entrevista ao
historiador Romualdo Pessoa Campos Filho, o morador José Veloso de
Andrade contou que Cristina morreu nas mãos dos militares. Segundo o
depoimento do ex-mateiro Raimundo Nonato dos Santos, o Peixinho, para o
Ministério Público, Jana teria sido presa em um local chamado Grota da
Sônia. Ela se deslocava para o ribeirão Fortaleza para encontrar Duda
(Luiz René Silveira e Silva). Raimundo, já preso, foi obrigado a levar
os militares ao ponto. Ao avistá-la, teria feito sinal para que fugisse,
mas outra equipe já a cercava. Cristina estava desarmada, mas um
soldado disparou contra ela. Raimundo afirma que Jana foi deixada no
local, insepulta. Apenas uma foto teria sido feita”. Em vários outros
depoimentos, no entanto, a versão é que Jana foi presa viva. Assim
testemunhou um camponês que foi guia do Exército: “Nós chegamos no
‘sapão’ [helicóptero] na cabeceira do Caiano. Nós estávamos acampados de
tardezinha, todo mundo na folha, quando vimos aquela mulher vir tomando
chegada. Aí os soldados alvoroçaram para atirar e o sargento falou com
os soldados: ‘Não atira não, deixa ver quem é primeiro’. Todo mundo
ficou em ponto de tiro. Agora, eu não, eu não fi cava em ponto de tiro.
Ficava com a FAL de um jeito para não desconfiarem. Aí, ela chegou a uma
distância como daqui àquele pauzinho ali. Aí pegaram e irradiaram para o
comando de Pontão na mesma hora. Aí o ‘sapão’ veio e pegou ela. Botaram
dentro de um saco e botaram o saco dentro de uma caixa, de uma jaula,
não sei o que era, e trouxeram para Xambioá... Eu só vi ela essa vez...
Era ela mesma. Eu vi sim. Eles me mostraram a fotografia dela. Eles me
mostraram idêntica que está neste retrato aí. É fotografia dela, pura...
Foi bem no fim. Agora, eu não sei se eles mataram ela, se prenderam. Só
sei que ela foi pega à mão. Eu vi bem, com esses dois olhos, aqui. Ela
veio pedindo por tudo mesmo, chorando mesmo. Ela já estava nua. Roupa
toda rasgada. Estava vestida de maiozinho e uma blusinha. Estava toda
desprevenida, já”. Segundo depoimentos colhidos por Cyrene, Jana foi
presa e levada para Bacaba, na rodovia Transamazônica, onde operava um
centro de torturas. Segundo os moradores da região, na localidade também
existe um cemitério clandestino. Conforme o relato de sua mãe, Jana
teria sido amarrada praticamente nua e colocada dentro de um saco, que
foi içado por um helicóptero. Isso teria ocorrido nas proximidades de
São Domingos do Araguaia.
MARIA CÉLIA CORRÊA (1945-1974)
Nascida no Rio de Janeiro, Maria Célia era bancária e estudante de
Ciências Sociais na Faculdade Nacional de Filosofia. Em 1971, como
militante do PCdoB, foi viver na região do Araguaia, onde já se
encontrava seu irmão, Elmo Corrêa, e sua cunhada, Telma Regina Cordeiro
Corrêa, ambos também desaparecidos naquela guerrilha. Maria Célia
pertenceu ao Destacamento A, sendo conhecida como Rosa. Era casada com
João Carlos Campos Wisnesky, ex-estudante de Medicina na UFRJ, conhecido
como Paulo Paquetá e que abandonou a guerrilha. Há discrepâncias entre
as possíveis datas de sua morte ou desaparecimento, variando entre
janeiro e meados de 1974. No livro de Taís Morais e Eumano Silva,
Operação Araguaia, sua prisão é assim narrada: “Rosa, ou Rosinha, como a
chamavam os camponeses, perdeu-se dos companheiros. Chega à casa de
Manoelzinho das Duas – o sujeito vive com duas mulheres na mesma casa.
Manoel tenta convencer a guerrilheira a se render. Muita gente está
sofrendo por causa do conflito, argumenta o caboclo. ‘Prefiro morrer do
que me entregar’, reage Rosinha. Diante da negativa, Manoelzinho agarra a
militante, domina-a e entrega-a ao delegado de São Domingos, Geraldo da
Coló. Muitos moradores do vilarejo viram Rosinha viva, muito magra e
suja, dentro de um carro parado na frente da cadeia. Os militares
levaram a guerrilheira para Bacaba”. O livro de Hugo Studart, A lei da
selva, informa que o Dossiê Araguaia também registra a morte de Maria
Célia como ocorrida em janeiro de 1974. E acrescenta: “Teria havido um
debate entre os próprios militares sobre a necessidade ou não de
executá-la, já que, argumentavam alguns oficiais, Rosa não oferecia
perigo. A decisão final foi a de cumprir as ordens superiores de não
fazer prisioneiros”. O processo traz ainda um recorte do jornal O Globo,
do dia 2 de maio de 1996, em que Manoel Leal Lima declara que “um
helicóptero aterrissou trazendo três prisioneiros – Antônio de Pádua, o
Piauí, Luís René da Silva, o Duda, e Maria Célia Corrêa, a Rosinha. Um
ofi cial ordenou que os presos, todos com os olhos vendados, saíssem do
avião e andassem cinco passos em direção ao rio, com as mãos na cabeça.
Em seguida, centenas de tiros foram disparados contra eles”. Em função
desse depoimento, os familiares pediram a interdição do local descrito
por Manoel Leal Lima para promover a busca dos restos mortais de Maria
Célia.
DINAELZA SANTANA COQUEIRO (1949-1974)
Baiana de Vitória da Conquista, Dinaelza estudou em Jequié (BA), no
Instituto Educacional Régis Pacheco, onde organizou o grêmio dos alunos.
Em 1969, foi para Salvador cursar Geografi a na Universidade Católica.
Participou ativamente do movimento estudantil, sendo eleita para a
Comissão Executiva do Diretório Central dos Estudantes (DCE). Nessa
época, casou-se com Vandick, aluno de Economia, também desaparecidono
Araguaia. Em 1970, ela e o marido já integravam o comitê estudantil do
PCdoB. Trabalhou na empresa aérea Sadia (primeiro nome da Transbrasil)
até 1971, quando pediu demissão e foi deslocada para a região do
Gameleira, no Araguaia, onde se tornou mais conhecida como Mariadina. No
sul do Pará, integrou o Destacamento B da guerrilha. Dinaelza
participou de vários enfrentamentos armados. Sinésio Martins Ribeiro,
guia do Exército na época, afi rmou, em depoimento prestado em São
Geraldo do Araguaia, em 19 de julho de 2001, que “ficou sabendo por
Pedro Galego e Iomar Galego que a Mariadina(Dinaelza) foi presa no rumo
da OP-1, dentro da mata; que quem prendeu ela foi o mateiro Manoel Gomes
e entregou para o Exército; que segundo soube o depoente, ela foi
levada para a casa do Arlindo Piauí para contar onde estavam os outros e
outras informações; que ela não falou nada; que lhe contaram que ela
era muito bruta, porque ela não respondia nenhuma das perguntas e também
cuspiu nos doutores; que por isso mataram ela um pouco adiante da casa
do Arlindo Piauí, dentro da mata [...]”.
LUIZA AUGUSTA GARLIPPE (1941-1974)
Luiza nasceu em Araraquara, no interior paulista, onde estudou até
completar o ensino médio no Instituto de Educação Bento de Abreu (Ieba).
Mudou-se então para São Paulo, onde cursou Enfermagem na USP,
formando-se em 1964. Em seguida, passou a trabalhar no Hospital das
Clínicas, chegando ao posto de enfermeira-chefe do Departamento de
Doenças Tropicais, área em que se especializou. Realizou viagens de
estudo pelo interior do país, percorrendo estados como Amapá e Acre.
Também participou da Associação dos Funcionários do Hospital das
Clínicas. Atuante na militância política contra o regime militar, Luiza
era integrante do PCdoB. No início dos anos 1970, ela foi deslocada para
o Araguaia, indo viver na região do Rio Gameleira, onde passou a ser
conhecida como Tuca e desenvolveu trabalho de atendimento em saúde,
destacando-se como parteira. Companheira de Pedro Alexandrino de
Oliveira, o Peri, integrava o Destacamento B da guerrilha, assumindo a
coordenação do setor de saúde após a morte do médico guerrilheiro João
Carlos Haas. Segundo informações de seu irmão, Armando Garlippe Júnior, a
última vez que os familiares a viram foi no início dos anos 1970.
“Posteriormente, fomos perdendo contato. Não sabíamos onde ela estava.
Pensávamos que ela pudesse estar presa. Às vezes, chegavam informações
desencontradas sobre o seu paradeiro. Alguns diziam que ela estava no
exterior, outros falaram que ela se encontrava no Nordeste. Só muito
tempo depois fomos saber sobre o Araguaia. Na verdade, naquela época, a
comunicação era difícil. As forças da repressão nos vigiavam”. Sabe-se
que sobreviveu ao ataque da manhã de Natal de 1973 e existem
divergências a respeito da data de sua morte ou desaparecimento.
ÁUREA ELIZA PEREIRA (1950-1974)
Áurea passou a infância com sua família na fazenda da Lagoa, no
município de Monte Belo, no sul de Minas Gerais, da qual seu pai era
administrador. Entre os 6 e os 14 anos, estudou no Colégio Nossa Senhora
das Graças, em Areado, concluindo ali o curso ginasial. Mudouse em 1964
para o Rio de Janeiro, onde cursou o segundo grau no Colégio
Brasileiro, em São Cristóvão. Aos 17 anos, prestou vestibular para o
Instituto de Física da atual Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), onde pretendia se especializar em física nuclear. Entre 1967 e
1970, participou ativamente do movimento estudantil nessa faculdade,
chegando a ser membro do Diretório Acadêmico, juntamente com Antônio de
Pádua Costa e Arildo Valadão, ambos também militantes do PCdoB e
desaparecidos no Araguaia. Áurea casou-se com Valadão em 6 de fevereiro
de 1970, no Rio de Janeiro. No dia seguinte, realizou a cerimônia
religiosa na basílica de Aparecida do Norte, em São Paulo. No segundo
semestre do mesmo ano, mudou-se com Arildo e Antônio de Pádua para o
Araguaia. Com o marido, foi viver na região de Caianos. Ali trabalhou
como professora, integrando o Destacamento C, comandado por Paulo Mendes
Rodrigues. No início de 1974, após a morte de Arildo, foi vista no 23o
Batalhão de Infantaria da Selva pelo preso Amaro Lins, ex-militante do
PCdoB, que prestou depoimento sobre isso no 4o Cartório de Notas de
Belém (PA). Amaro relata também que ouviu um policial dizer a Áurea que
arrumasse suas coisas, pois iria “viajar”. Viajar era o termo utilizado
por policiais para designar execução.Em Operação Araguaia, os
jornalistas Taís Morais e Eumano Silva descrevem: “Querida por todos,
trabalhou como professora no povoado de Boa Vista e esbanjava simpatia.
Dois mateiros a prenderam no início de 1974 e a entregaram à repressão.
Amarrada, muito magra, faminta e doente, vestia apenas um pedaço de
sutiã. As roupas rasgaram em meses seguidos de fuga pela mata úmida e
cheia de espinhos. Foi encontrada junto com Batista, morador da região
recrutado pela guerrilha, também debilitado pelas difi culdades de
sobrevivência na mata. Áurea foi vista viva, depois de presa, na base de
Xambioá”. Elio Gaspari, descrevendo o mecanismo de recompensas em
dinheiro para quem matasse guerrilheiros, apresenta em A ditadura
escancarada mais uma importante informação: “Adalberto Virgulino, que
capturou a guerrilheira Áurea (Áurea Eliza Valadão), recebeu oitocentos
cruzeiros e um maço de cigarros”. O ex-militar contou ao procurador
Adrian Pereira Ziemba ter visto a chegada, na base militar, de Áurea
Eliza Pereira Valadão, 24 anos. [...] Conforme Ferreira, Áurea foi
torturada durante todo um dia e uma noite. No dia seguinte, os militares
a colocaram num helicóptero e ela nunca mais foi vista”.
DINALVA OLIVEIRA TEIXEIRA (1945-1974)
Conhecida no Araguaia como Dina, cercada de fama legendária, Dinalva
era baiana de Castro Alves. Cursou o primário na Escola Rural de Argoim e
mudou-se para Salvador, onde fez o ginasial no Institutde Educação
Isaías Alves, por onde também passaram Anísio Teixeira e Milton Santos.
Completou o ensino médio no Colégio Estadual da Bahia e formou-se em
Geologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 1968. Durante o
curso universitário, morou na Casa do Estudante. Entre 1967 e 1968,
participou ativamente do movimento estudantil como representante da
Residência Universitária Feminina. Foi presa na época, mas solta logo a
seguir. Nesse período, conheceu Antônio Carlos Monteiro Teixeira, seu
colega de turma, também do PCdoB, com quem se casou em 1969. Naquele
ano, o casal foi morar no Rio de Janeiro. Em maio de 1970, foram
deslocados para a região do Araguaia, onde Dinalva atuou como professora
e parteira. Chegou a ser vice-comandante do Destacamento C, única
mulher da guerrilha a alcançar um posto de comando. Quando tiveram
início os choques armados, em abril de 1972, o casal já estava separado e
tinha nascido um novo relacionamento entre ela e Gilberto Olímpio
Maria, morto no Natal de 1973. Dina destacou-se por sua habilidade
militar para escapar de ataques inimigos e por participar de vários
choques armados, sendo ferida em um deles. Era tida como exímia
atiradora. Sobreviveu ao ataque do Natal de 1973, mesmo enfrentando
grave surto de malária. Em A lei da selva, Hugo Studart descreve o
primeiro desses combates, do qual surgiu a lenda de que Dina era capaz
de se transformar em borboleta: “A lenda nasceu a partir de episódio
ocorrido em 20 de setembro de 1972, quando houve um combate com uma
patrulha de oito paraquedistas do Exército, comandada pelo então capitão
Álvaro de Souza Pinheiro, mais tarde promovido a general, e fi lho do
general Ênio de Souza Pinheiro, ex-chefe da Agência Central do Serviço
Nacional de Informações (SNI), primeiro comandante da Escola Nacional de
Informações (ESNI) e um dos líderes da inteligência militar na época.
Os soldados metralharam a área em que quatro guerrilheiros se escondiam.
Dois morreram na hora e um terceiro, apanhado ferido, morreu mais
tarde. Dina disparou um tiro que feriu o capitão Álvaro no ombro. Ela
escapou, com um arranhão de bala no pescoço”. Sobre sua morte, Hugo
Studart apresenta um relato bastante detalhado no livro A lei da selva,
com destaque para o fato de apontar claramente o nome do autor da
execução sumária: “A subcomandante Dina foi presa na selva por uma
patrulha de guerra do Exército [...], em junho de 1974, numa localidade
chamada Pau Preto, entre o rio Gameleira e o igarapé Saranzal. Estava em
companhia da guerrilheira Luiza Augusta Garlippe, codinome Tuca,
integrante do Destacamento B”. O relato de Studart sobre a morte de Dina
acrescenta: “Levada para interrogatório em Marabá, permaneceu por cerca
de duas semanas nas mãos de uma equipe de inteligência militar. Estava
fraca, desnutrida, havia quase um ano sem comer sal ou açúcar. Por causa
da tensão, fazia seis meses que não menstruava. No início de julho, o
capitão Sebastião de Moura, codinome dr. Luchini (dr. Curió), retirou
Dina. Levaramna de helicóptero para algum ponto da mata espessa, perto
de Xambioá. Um sargento do Exército, Joaquim Artur Lopes de Souza,
codinome Ivan, chefi ava a pequena equipe, três homens. [...]
– Vou morrer agora? – perguntou a guerrilheira.
– Vai, agora você vai ter que ir – respondeu Ivan.
– Eu quero morrer de frente – pediu.
– Então vira pra cá.
Ela virou e encarou o executor nos olhos. Transmitia mais orgulho que medo – relataria mais tarde o militar aos colegas de farda. Ele se aproximou da guerrilheira, parou a dois metros de distância e lhe estourou o peito com uma bala de pistola calibre 45. O tiro pegou um pouco acima do coração. O impacto jogou Dina para trás. Levou um segundo tiro na cabeça. Foi enterrada ali mesmo”. Hugo Studart complementa, em novo pé de página: “Seu corpo foi inicialmente enterrado no local da execução. Em 1975 teria sido exumado e levado para a cremação em outro local”.
– Vou morrer agora? – perguntou a guerrilheira.
– Vai, agora você vai ter que ir – respondeu Ivan.
– Eu quero morrer de frente – pediu.
– Então vira pra cá.
Ela virou e encarou o executor nos olhos. Transmitia mais orgulho que medo – relataria mais tarde o militar aos colegas de farda. Ele se aproximou da guerrilheira, parou a dois metros de distância e lhe estourou o peito com uma bala de pistola calibre 45. O tiro pegou um pouco acima do coração. O impacto jogou Dina para trás. Levou um segundo tiro na cabeça. Foi enterrada ali mesmo”. Hugo Studart complementa, em novo pé de página: “Seu corpo foi inicialmente enterrado no local da execução. Em 1975 teria sido exumado e levado para a cremação em outro local”.
SUELY YUMIKO KANAYAMA (1948-1974)
Primeira filha de um casal de imigrantes japoneses, Suely nasceu em
Coronel Macedo, no interior paulista. Aos 4 anos de idade, mudou-se com
sua família para Avaré. Em 1965, foi morar na capital paulista,
residindo em Santo Amaro, onde concluiu o curso colegial, em 1967, na
escola Alberto Levy. Em seguida, foi aprovada para a licenciatura em
línguas portuguesa e germânica na Universidade de São Paulo (USP) – em
1968 e 1969, além do currículo regular, cursou japonês como matéria
opcional –, onde foi liderança estudantil. Matriculou-se pela última vez
em 1970. Em fi ns de 1971, já militante do PCdoB, chegou à região do
Araguaia, onde fi cou conhecida como Chica. Elio Gaspari menciona, em A
ditadura escancarada, o depoimento de José Veloso de Andrade, da
lanchonete da Bacaba, informando que viu Suely entre os sete presos que
encontrou vivos no acampamento da localidade. Hugo Studart registra, em A
lei da selva, que ela teria sido fuzilada com mais de cem tiros,
conforme narrativa de camponeses, indicando, como data da morte, sempre
segundo o Dossiê Araguaia, janeiro de 1974. Segundo a reportagem
“Yumiko, a nissei guerrilheira”, publicada no Diário Nippak, de São
Paulo, em 28 de julho de 1979, “Suely foi morta com rajadas de
metralhadoras disparadas por diversos militares, que deixaram seu corpo
irreconhecível. Foi enterrada em Xambioá e seus restos mortais foram
posteriormente exumados por pessoas que não foram identifi cadas. Morreu
aos 25 anos, dos quais 3 dedicados à guerrilha, em defesa da causa que
acreditava justa – a liberdade”.
TELMA REGINA CORDEIRO CORRÊA (1947-1974)
Nascida no Rio de Janeiro, Telma era esposa de Elmo Corrêa e cunhada
de Maria Célia Corrêa, igualmente desaparecidos no Araguaia. Foi
estudante de Geografi a em Niterói, na Universidade Federal Fluminense
(UFF), de onde foi expulsa em 1968 pelo Decreto-Lei 477, por suas
atividades no movimento estudantil. Militante do PCdoB, Telma foi
deslocada para a região do Araguaia em 1971, juntamente com o marido,
indo morar nas margens do rio Gameleira. Ali, era conhecida como Lia, e
seu marido, como Lourival. Ambos integraram o Destacamento B das forças
guerrilheiras do Araguaia. Mais tarde, Telma (Lia) manteve
relacionamento com Divino Ferreira de Souza, que morreu em outubro de
1973. Segundo depoimentos colhidos na caravana de familiares à região –
ocorrida em 1981 – pelo advogado paraense e representante da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) Paulo Fontelles (também ex-preso político,
dirigente estadual do PCdoB e assassinado em 1987 por sua militância na
denúncia dos crimes praticados por latifundiários no sul do Pará), Telma
teria sido presa em São Geraldo do Araguaia (PA) e entregue a José
Olímpio, engenheiro do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
(DNER) que trabalhava para o Exército. Ela teria passado a noite
amarrada no barco desse funcionário, que a entregou aos militares em
Xambioá. José Ferreira Sobrinho, o Zé Veinho, lavrador de idade
avançada, declarou aos familiares da caravana: “Só vi presa a Lia (Telma
Regina Corrêa), que se entregou lá no Macário e foi presa. Aí o Macário
mandou chamar o Zé Olímpio. Ela dormiu no barraco do Zé Olímpio, que
era uma pessoa deles, do Exército. Ela tava sozinha. Disse que tava com
um revólver 38 e um facão. Parece que o marido dela era chamado
Lourival, esse dizem que tinham matado ele lá no Carrapicho. Isso foi no
final. Ela falou que tavam as duas. A Valquíria mais ela. Depois a
polícia foi para ela achar a outra. Ela não achou. Depois eu soube que
pegaram essa outra... O Amadeu, um negro, morador, ajudou elas. Foi
preso e muito espancado. [...] A Lia não sabia que tinham matado o
marido dela. Quando ela foi presa, o Zé Olímpio trouxe ela para a base
de Xambioá”. O jornalista Hugo Studart registra versão completamente
diferente em A lei da selva: “Camponeses dizem ter sido presa pelo
agente José Olímpio. Segundo militares, teria morrido de sede e fome, em
JAN 74. Após escapar do Chafurdo de Natal e dos cercos posteriores, Lia
teria rumado para oeste, perdendo-se numa região rochosa, sem água ou
comida, algo raro. Seu corpo teria sido encontrado pelos militares meses
depois. Junto, haveria um diário. Segundo os militares, Lia registrou
que estava passando fome e sede, mas que não poderia morrer, pois ainda
tinha muita coisa a passar para os outros guerrilheiros para que
pudessem continuar a causa. Escreveu que, quando estava na iminência de
se entregar à morte, então cantava, a plenos pulmões, a canção dos
guerrilheiros, repetindo sem cessar a estrofe que mais a animava
(Guerrilheiro nada teme/ Jamais se abate/ Afronta a bala a servir/ Ama a
vida, despreza a morte/ E vai ao encontro do porvir). [...] As últimas
anotações de Lia registram palavras como ‘estou nas últimas’ e ‘não
aguento mais’. A letra já estava muito fraca, tremida, segundo um
militar que leu o diário. Depois disso, nada mais escreveu”.
WALQUÍRIA AFONSO COSTA (1947-1974)
Pelas informações reunidas, Walquíria foi a mais duradoura entre
todos os guerrilheiros mortos ou desaparecidos no Araguaia. Walk, como
era chamada pela família, era mineira de Uberaba. Fez o primário em
Patos de Minas (MG) e as duas primeiras séries do curso ginasial no
Ginásio Rio Branco, em Bom Jesus de Itabapoana (RJ). Com a transferência
da família para Pirapora (MG), terminou o ginasial no Colégio Nossa
Senhora do Santíssimo Sacramento. No período de 1963 a 1965, estudou no
Colégio São João Batista, onde terminou o curso normal, passando a
lecionar em alguns grupos escolares da cidade. Em 1966, prestou concurso
público para o Estado e foi nomeada professora, transferindo-se, então,
para Belo Horizonte. Walquíria prestou vestibular para Pedagogia na
Faculdade de Artes e Educação, da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), classifi cando-se em segundo lugar. Frequentou os três primeiros
anos do curso. Em 1968, participou, juntamente com outros colegas, da
fundação do Diretório Acadêmico (DA) da Faculdade de Educação. Nesse
período, as perseguições políticas começaram a se intensifi car.
Walquíria, vice-presidente do DA, foi procurada por agentes do Dops/MG e
teve sua casa invadida sob a alegação de envolvimento em reuniões
estudantis. Em 1971, já ligada ao PCdoB, decidiu mudar-se para a região
do Araguaia, juntamente com seu marido, Idalísio Soares Aranha Filho,
também membro do partido. Fez parte do Destacamento B, comandado por
Osvaldo Orlando da Costa, na localidade de Gameleira. Em julho de 1973,
Walquíria foi julgada à revelia pela Auditoria da 4a Região Militar, em
Juiz de Fora, sendo absolvida. O relatório do Ministério da Marinha, de
1993, registra: “Morta em 25/10/74”. Pelo que se sabe, Walquíria foi a
última guerrilheira a ser morta na região do Araguaia. Moradores da
região contam, em depoimentos, que ela estava magra e quase sem ter o
que vestir quando foi presa pelo Exército. O ex-colaborador da
instituição Sinésio Martins Ribeiro lembrou, em depoimento ao Ministério
Público Federal, prestado em São Geraldo do Araguaia, em 19 de julho de
2001, “[...] que viu a Walquíria viva dentro da base de Xambioá; que a
Walquíria contou aos militares que estava com o Osvaldão quando este foi
morto; que a mesma perdeu a espingarda nesta vez, pois a mesma fi cou
enganchada num pau; [...] que na base de Xambioá viu ela ser levada por
um soldado do Exército para o rumo do jatobá; que o ‘carrasco’ [sic]
levava uma arma curta; que a arma era ‘surda’ e não se escutava o tiro;
que atrás ia outro soldado levando uma lata grande de bolacha com cal
virgem; que dias depois ele perguntou ao soldado por ela e teve como
resposta ‘já era’, que esta resposta significava que tinha sido morta
[...]”.
IEDA SANTOS DELGADO (1945-1974)
Carioca e afrodescendente, Ieda era advogada e, embora militante da
ALN, conseguiu manter a vida em completa legalidade até ser presa em São
Paulo, em 11 de abril de 1974, quando desapareceu. Sua atuação política
teve início entre 1967 e 1968, em Brasília, quando estudava direito na
Universidade de Brasília (UnB) e participava discretamente das
mobilizações estudantis que marcaram o período. Ao mesmo tempo, entre
1967 e 1970, trabalhou no Plano Nacional de Educação como assistente da
assessoria jurídica do Ministério da Educação e Cultura. Formou-se
advogada em 1969 e falava francês, italiano, inglês e espanhol. Em
seguida, Ieda foi estagiária e, depois, assistente jurídica do
Departamento Nacional de Produção Mineral do Ministério de Minas e
Energia. Em 1973, passou a trabalhar como secretária jurídica do Centro
de Pesquisas Experimentais. Ao ser presa, aguardava sua transferência
para Brasília. Como funcionária do Ministério, fez curso de
especialização na Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de
Janeiro, de setembro de 1971 a março de 1972. Ieda viajou para São Paulo
durante os feriados da Semana Santa de 1974, no dia 11 de abril, para
buscar passaportes para um casal de militantes da ALN que precisava
deixar o país. Não retornou ao Rio de Janeiro. Por telefonema anônimo,
sua família soube que ela tinha sido presa na capital paulista. Sua mãe,
Eunice, viajou imediatamente para a cidade e iniciou uma busca
desesperada pelo paradeiro da fi lha. Chegou a obter a informação,
através de um general, seu amigo, de que Ieda estivera presa em Campinas
(SP), onde chegou a ser hospitalizada em função das torturas, e também
em Piquete (SP), onde permaneceu por pouco tempo. Tais informações,
oficiosas, nunca foram confirmadas. Os diversos habeas corpus impetrados
foram negados. Um mês depois da prisão da fi lha, Eunice passou a
receber cartas de Ieda, o que a deixou ainda mais aflita. Inicialmente,
em cinco linhas, em correspondência postada em Belo Horizonte, Ieda
dizia para a família não se preocupar, pois estava bem. Um mês depois,
chegou outra carta, nos mesmos termos, postada no Uruguai. A letra, no
entanto, estava muito tremida. Eunice fez exames grafológicos e
constatou que a caligrafia era de Ieda. Nesse período do regime militar,
em que o desaparecimento se tornou regra sistemática nos órgãos de
segurança, repetiram-se várias vezes episódios como esse em que, além do
violento trauma trazido pelo desaparecimento, os familiares passaram a
ser submetidos a verdadeiras operações de contrainformação e, muitas
vezes, foram alvo de chantagem para obtenção de dinheiro em troca de
informações que, em nenhum dos casos, se comprovaram verdadeiras.
ANA ROSA KUCINSKI SILVA (1942-1974)
Ana Rosa Kucinski Silva era professora universitária, formada em
Química, com doutorado em Filosofia. Casada com o físico Wilson Silva,
trabalhava no Instituto de Química da USP. Os dois conciliavam trabalho e
estudos com a militância política na ALN. Ana Rosa estudou Química na
Universidade de São Paulo (USP) durante a efervescência estudantil que
marcou o início da resistência ao regime militar nessa área. Avançou em
seu engajamento político a partir do namoro e do casamento com Wilson.
Em 1966, este tinha organizado com Bernardo Kucinski, seu colega na
Faculdade de Física da USP e irmão de Ana Rosa, uma exposição sobre os
trinta anos da Guerra Civil Espanhola, na rua Maria Antônia. Em 22 de
abril de 1974, Ana Rosa saiu do trabalho, na Cidade Universitária, e foi
ao centro da capital paulista para almoçar com Wilson num dos
restaurantes próximos à praça da República. O casal desapareceu nas
proximidades. Os colegas de Ana Rosa na USP estranharam sua ausência e
avisaram a família Kucinski, que imediatamente começou a tomar
providências para a sua localização. Ao procurarem Wilson, souberam que
ele também havia desaparecido. As duas famílias passaram a viver o
tormento da busca por informações. O ex-agente do DOI-Codi/SP e
ex-sargento Marival Dias Chaves do Canto, também em entrevista à Veja,
em 18/11/1992, informou: “Foi o caso também de Ana Rosa Kucinski e de
seu marido, Wilson Silva. Foram delatados por um cachorro, presos em São
Paulo e levados para a casa de Petrópolis. Acredito que seus corpos
também foram despedaçados”. O relatório do Ministério da Marinha,
enviado em 1993 ao Ministro da Justiça, Maurício Corrêa, confirmou que
Wilson Silva “foi preso em São Paulo em 22/4/1974, e dado como
desaparecido desde então”. Na ficha de Wilson Silva, no arquivo do
Deops, consta que ele foi “preso em 22/4/1974, junto com sua esposa Rosa
Kucinski”.
JANE VANINI (1945-1974)
Nascida em Cáceres, no Mato Grosso, Jane estudou no Colégio Imaculada
Conceição, em sua terra natal, até se mudar para São Paulo, em 1966,
onde cursou Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP). Além de
estudar, também trabalhava no Mappin e na Editora Abril, onde conheceu
Sérgio Capozzi, com quem se casou. Em agosto de 1969, o casal passou a
integrar a ALN, fazendo de sua residência um abrigo para Joaquim Câmara
Ferreira, o Toledo, principal dirigente da ALN após a morte de Carlos
Marighella. Os vizinhos e os amigos o conheciam como tio Nico, pensando
que fosse algum parente. Após uma série de prisões de membros da ALN em
abril de 1970, o casal foi identificado pelos órgãos de segurança do
regime militar. Colegas da Editora Abril ajudaram Capozzi a fugir,
quando a Oban tentou prendê-lo no trabalho. O casal passou a viver na
clandestinidade e seguiu de navio para Montevidéu, capital do Uruguai.
Daquele país vizinho, os dois militantes seguiram para Cuba, onde
participaram de treinamento militar. No país caribenho, Jane trabalhou
na Rádio Havana. Com a cisão ocorrida na ALN, ela passou a integrar o
Molipo e regressou ao Brasil em setembro de 1971. Do chamado Grupo dos
28, que fundou essa nova organização, Jane ficou entre os que
conseguiram sobreviver após a sequência de prisões e mortes imposta pelo
aparelho de repressão entre novembro de 1971 e maio de 1973. Conseguiu
sair do Brasil e refugiou-se no Chile durante o governo de Salvador
Allende (1970-1973), passando a militar no Movimiento de Izquierda
Revolucionaria (MIR). Trabalhou na revista Punto Final até 1973, quando
já tinha se separado de Capozzi e casado com o jornalista chileno José
Carrasco Tapia, conhecido como Pepe Carrasco, dirigente do MIR. Seu novo
nome era Gabriela Hernández. Com o golpe militar que derrubou Salvador
Allende, liderado pelo general Augusto Pinochet (1973-1990), Jane
recusou-se a deixar o Chile e novamente passou à clandestinidade. Foi
morar com Pepe em Concepción, agora sob a identidade de Carmen Carrasco
Tapia. Em 6 de dezembro de 1974, ao meio-dia, Pepe foi preso pela
polícia fascista de Pinochet. Nesse dia, como Pepe não havia voltado,
Jane procurou outros militantes do MIR para saber se tinham alguma
informação. Se ele estivesse vivo, queria tentar resgatá-lo das mãos da
Direção de Inteligência Nacional (Dina), a implacável polícia política
de Pinochet. A ação proposta por ela foi descartada, mas, sentindo a
determinação de Jane, seus companheiros do MIR chegaram a trancá-la num
banheiro para tentar preservar sua vida. Por volta de 22 horas, Pepe
tinha certeza de que Jane já não estaria em casa. Aguentou a tortura por
muitas horas além do prazo combinado. Ela, porém, tinha conseguido
fugir pela janela do banheiro onde havia sido trancada e voltou para
casa, esperando resgatar seu companheiro. Quando a polícia chegou, Jane
resistiu sozinha durante quatro horas. Os agentes policiais, que não
esperavam reação, chegaram a pensar que ali estivessem muitos
guerrilheiros. Pediram reforços, até que Jane foi ferida e presa. Na
casa, ela deixou um bilhete para Pepe com os dizeres: “Perdóname mi
amor, fue un último intento por salvarte”.
NEIDE ALVES DOS SANTOS (1944-1976)
Nascida no Rio de Janeiro, Neide Alves dos Santos era ligada a Hiran
de Lima Pereira, membro do Comitê Central do PCB. Seu nome não constava
de nenhuma lista de mortos e desaparecidos políticos. Foi o trabalho da
Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) que
possibilitou elucidar mais uma morte decorrente de torturas aplicadas
pelos órgãos de segurança do regime militar. No início de 1975, quando
estava em curso a Operação Radar, cujo objetivo era aniquilar o PCB,
Neide viajou de São Paulo para a casa de sua irmã, no Rio, e contou que
estava sendo seguida. Poucos dias depois, desapareceu por cinco dias e,
quando retornou, tinha marcas de tortura por todo o corpo. Estava muito
abalada emocionalmente, motivo pelo qual fi cou internada por algum
tempo na Colônia Juliano Moreira para tratamento psiquiátrico. Algum
tempo depois, retornou a São Paulo e novamente foi presa. Documentos do
Dops/SP registram, no entanto, que Neide teria sido internada na noite
de Réveillon. Conforme telex da 28a Delegacia de Polícia, de 31 de
dezembro de 1975, Neide Alves dos Santos, cognome Lúcia, foi atendida no
Hospital Municipal do Tatuapé e apresentava queimaduras. Estranhamente,
a mensagem relata que, com ela, foi apreendido um caderno de anotações
informando que pertencia ao PCB. Outro documento do Dops/SP registra a
comunicação de seu falecimento, às 20h40 do dia 7 de janeiro de 1976.
Num primeiro exame, o relator do processo na Comissão Especial, Paulo
Gustavo Gonet Branco, propôs indeferimento, por considerar que as
condições da morte “não preenchiam os requisitos da Lei”. Luís Francisco
Carvalho Filho pediu vistas e conseguiu determinar que a morte ocorreu
por responsabilidade dos agentes do Estado brasileiro. Em seu voto pelo
deferimento, Luís Francisco enfatizou dois aspectos importantes. O
primeiro era que os registros da Medicina Legal apontam como muito raro o
“suicídio de mulher mediante fogo posto às vestes”.
ZULEIKA ANGEL JONES (1923-1976)
“Se algo vier a acontecer comigo, se eu aparecer morta, por acidente,
assalto ou qualquer outro meio, terá sido obra dos mesmos assassinos do
meu amado fi lho.” O trecho da carta escrita em 23 de abril de 1975
pela estilista Zuleika Angel Jones, conhecida como Zuzu Angel, e
entregue ao compositor Chico Buarque e outros amigos, representou uma
verdadeira premonição a respeito de sua morte um ano depois. Zuzu Angel
morreu em 14 de abril de 1976 num acidente automobilístico na saída do
túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro. A suspeita de que o acidente
tivesse sido provocado surgiu imediatamente em todas as pessoas bem
informadas sobre o que era o aparelho de repressão política do regime
militar. Mas foi somente através da Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos (CEMDP) que se tornou possível elucidar os
fatos. Ficou provado que sua morte foi desdobramento e consequência da
morte do filho, Stuart Edgard Angel Jones, em 1971. Profissional de
sucesso – vestia atrizes como Liza Minnelli e Joan Crawford –, Zuzu
transformou o desaparecimento de Stuart num acontecimento que provocou
desgaste internacional para o regime militar, despertandoa ira dos
porões da ditadura, que passaram a vê-la como ameaça. Buscando
incansavelmente o paradeiro do filho, Zuzu Angel esteve nos Estados
Unidos com o senador Edward Kennedy; furou o cerco da segurança
norte-americana e conversou com o então secretário de Estado Henry
Kissinger, em visita ao Brasil; prestou detalhado depoimento ao
historiador Hélio Silva; e escreveu ao presidente Ernesto Geisel, ao
ministro do Exército, Sylvio Frota, ao cardeal de São Paulo, dom Paulo
Evaristo Arns, e à Anistia Internacional. Em um de seus desfiles,
estampou os figurinos com tanques de guerra e anjos. Em português, a
palavra inglesa angel quer dizer anjo. Quando começou a receber ameaças
de morte, alertou os amigos.Zuzu estava absolutamente sóbria na noite do
acidente e, uma semana antes, tinha feito uma revisão completa em seu
carro, que, sem aparente motivo, desviou-se da estrada e capotou
diversas vezes em um barranco. A análise das fotos e dos laudos
periciais, as inúmeras contradições e omissões encontradas no inquérito e
os depoimentos de testemunhas oculares compuseram uma base robusta para
a decisão da CEMDP reconhecendo a responsabilidade do regime militar
por mais essa morte de opositor político.
MARIA AUXILIADORA LARA BARCELLOS (1945-1976)
Em 1o de junho de 1976, Maria Auxiliadora atirou-se nos trilhos de
trem da estação de metrô Charlottenburg, em Berlim Ocidental, na
Alemanha, e teve morte instantânea. Conhecida pelos amigos como Dora ou
Dorinha, ela havia sido presa sete anos antes, no dia 21 de novembro de
1969, juntamente com seus companheiros da VAR-Palmares Antônio Roberto
Espinoza e Chael Charles Schreier, na casa em que moravam no bairro do
Méier, no Rio de Janeiro. Os três foram torturados no quartel da Polícia
do Exército, na Vila Militar. Chael foi morto em menos de 24 horas.
Vítima de cruéis torturas, Dora passou pelos presídios de Bangu, no Rio
de Janeiro, e Linhares, em Juiz de Fora (MG). Foi banida e enviada para o
Chile com outros 69 presos políticos em 13 de janeiro de 1971, no
episódio do sequestro do embaixador suíço no Brasil. Nunca mais
conseguiu se recuperar plenamente das profundas marcas psíquicas
deixadas pelas sevícias e violências de todo tipo a que foi submetida.
Durante o exílio, registrou, num texto com tons literários, suas
difíceis memórias: “Foram intermináveis dias de Sodoma. Me pisaram,
cuspiram, me despedaçaram em mil cacos. Me violentaram nos meus cantos
mais íntimos. Foi um tempo sem sorrisos. Um tempo de esgares, de gritos
sufocados, um grito no escuro”.
Veja o depoimento de Maria auxiliadora no documentário A Report on Torture (1971) que ela gravou no Chile com outros prisioneiros políticos.
THEREZINHA VIANA DE ASSIS (1941-1978)
Therezinha estudou em Aracaju, sua cidade natal, e concluiu o curso
de Economia na Universidade Federal de Sergipe. Mudou-se então para Belo
Horizonte, onde trabalhou na Caixa Econômica Federal. Foi presa e
torturada em 1972 e, ao ser libertada um ano depois, exilou-se no Chile,
onde fez curso de especialização na Universidade de Santiago. Lá,
tornou-se militante do Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR). Ao
sair do Brasil, teria utilizado o nome erezinha Viana de Jesus, que
consta de algumas das listas de mortos e desaparecidos políticos. As
referências acerca de seu engajamento político no Brasil são imprecisas,
mas foi anexado ao processo na Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos (CEMDP) um depoimento em que Gilberto Fernandes
Gomes de Faria afi rma taxativamente que Therezinha pertencia à AP em
1969, enquanto ele atuava na Corrente, organização que mais tarde se
incorporaria à ALN. Assim como aconteceu com inúmeros outros militantes
das organizações clandestinas, é possível que ela tenha tido mais de um
engajamento partidário, conforme atesta um documento anexado por seu
irmão ao processo. Em setembro de 1973, após o golpe militar no Chile
comandado por Augusto Pinochet, erezinha viajou para a Holanda. Morou
inicialmente em Roterdã e depois em Amsterdã, onde prosseguiu seus
estudos, doutorando-se em Economia. Até 15 de setembro de 1977,
Therezinha trabalhou na prefeitura local, mas seu contrato não foi
renovado. O desemprego agravou os problemas psicológicos que vinha
apresentando. Sua irmã, Selma Viana de Assis Pamplona, escreveu sobre
ela: Em meados de 1977, Therezinha começou a me escrever, dizendo
estar se sentindo seguida, pois, onde estava, via as mesmas duas ou
quatro pessoas; em julho de 1977, saiu de férias da Prefeitura e fez
curso de línguas; viajou pela Rússia e países da Europa Oriental e, onde
chegava, encontrava as mesmas pessoas. Quando voltou da viagem,
encontrou seu apartamento todo remexido, desarrumado. Observou que seu
telefone estava “grampeado” e pedia que eu não lhe telefonasse. Às
vezes, quando voltava do serviço, encontrava seu apartamento remexido,
demonstrando ter entrado gente; começou a receber telefonemas anônimos
com ameaças. Foi ficando nervosa e preocupada [...]. Por fim, apareceu
morta, caída da janela. Ocorre que ela era muito católica, tinha medo da
morte. E, antes de se sentir seguida, estava gostando muito de
Amsterdã. De repente, ela ficou sabendo que se tratava da polícia
secreta do Chile. Quanto aos outros, não chegou a saber. Morreu em
fevereiro de 1978, com 36 anos de idade. Documentos juntados ao processo
da CEMDP, como a certidão com informações da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin) e cópias de páginas do Dossiê dos Mortos e
Desaparecidos, comprovam sua militância política.
MÓNICA SUSANA PINUS DE BINSTOCK (1953-1980)
Mónica Susana integrava o Movimiento Peronista Montoneros,
organização de resistência armada à ditadura militar argentina
(1976-1983). Em 12 de março de 1980, ela e Horacio Domingo Campiglia,
também montonero, voltavam do exílio para a Argentina. Usando
passaportes falsos, haviam saído da Cidade do México na véspera, num voo
da empresa aérea venezuelana Viasa, que fazia conexão em Caracas com um
voo da Varig rumo ao Rio de Janeiro. Na capital fl uminense, no
aeroporto do Galeão, foram sequestrados. Mónica era casada com Edgardo
Ignacio Binstock, com quem teve dois filhos. Edgardo aguardava a mulher
no Rio de Janeiro. Desde 2005, ele é o secretário de Direitos Humanos da
Província de Buenos Aires. As denúncias do sequestro, registradas nos
requerimentos apresentados à Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos (CEMDP) e amplamente divulgadas pela imprensa
nacional e argentina a partir de então, foram comprovadas em 2002,
quando o Ministério de Justiça e Direitos Humanos argentino recebeu, do
Departamento de Estado dos EUA, farta documentação sobre violações dos
direitos humanos cometidas pelo Estado argentino entre 1975 e 1984.
Integrantes do Batalhão 601 fizeram então contato com seu colega da
inteligência militar brasileira, solicitando permissão para realizar uma
operação no Rio de Janeiro. O Brasil a concedeu, e uma equipe especial
de agentes argentinos, sob o comando operacional do tenente-coronel
Román, viajou para a cidade em um C-130 da Força Aérea Argentina. Os
dois militantes foram capturados com vida e levados para a Argentina.
Tentando não alertar os Montoneros sobre a operação realizada no Brasil,
os argentinos responsáveis pela prisão clandestina ainda cuidaram de
hospedar um casal de argentinos num hotel, registrando-os com os
documentos falsos de Mónica e Horacio, o que terminou deixando rastros
de seu desembarque no Brasil. O memorando conclui afirmando que os dois
estavam presos no Campo de Mayo, centro clandestino da repressão
argentina.
LILIANA INÉS GOLDEMBERG (1953-1980)
Filha de profi ssionais bem estabelecidos, cursava o segundo ano de
Psicologia na Universidade de Buenos Aires e trabalhava como secretária
no Hospital da Criança da capital argentina quando abandonou a vida
legal em função da militância política. Em 1970, militou nas Fuerzas
Armadas Revolucionarias (FAR) e atuou em Mar del Plata. Em outubro de
1973, com a fusão das FAR com a organização Montoneros, Liliana foi
enviada para Neuquén, no sul do país. De 1974 a 1976, voltou a viver em
Buenos Aires, mas passou para a clandestinidade depois que seu irmão,
Carlos Andrés Goldemberg, foi baleado dentro de um táxi. De 1977 a 1980,
viveu na Espanha, cumprindo tarefas para os Montoneros. Em 1980,
Liliana e seu companheiro, Eduardo Gonzalo Escabosa, codinome “Andrés”,
regressavam à Argentina (a exemplo de muitos montoneros no exílio que
foram engajados numa contraofensiva programada pela organização para
enfrentar a ditadura argentina) quando foram encontrados pelas forças de
repressão brasileira e argentina. Aluízio Palmar, no livro Onde foi que
vocês enterraram nossos mortos?, relata a morte do casal, ocorrida
durante a travessia entre Porto Meira, em Foz do Iguaçu, e Puerto
Iguazú, na margem argentina do rio Paraná: “Foi num sábado, 2 de agosto
de 1980. Lílian, de 27 anos, loura e franzina, e seu companheiro
Eduardo, de 30 anos, embarcaram na lancha Caju IV, pilotada por Antônio
Alves Feitosa, conhecido na região como ‘Tatu’. Antes de atracar no lado
argentino, dois policiais brasileiros que estavam a bordo mandaram o
piloto parar a lancha e apontaram suas armas para o casal. Cercados,
Lílian e Eduardo ainda puderam ver que mais policiais desciam ao
atracadouro, vindos da aduana Argentina. Assim que perceberam ter caído
numa cilada, Lílian e Eduardo se ajoelharam diante de um grupo de
religiosos que estava a bordo e gritaram que eram perseguidos políticos e
preferiam morrer ali a serem torturados. Em seguida abriram um saco
plástico, tiraram os comprimidos e os engoliram bebendo a água barrenta
do rio Paraná. Morreram em trinta segundos, envenenados por uma dose
fortíssima de cianureto”.
LYDA MONTEIRO DA SILVA (1920-1980)
Às 13h40 do dia 27 de agosto de 1980, no Rio de Janeiro, Lyda
Monteiro da Silva morreu ao abrir uma carta-bomba. Ela era diretora da
Secretaria do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e
ocupava a função de secretária da Comissão de Direitos Humanos da
entidade. A correspondência era endereçada ao presidente do Conselho
Federal da OAB, Eduardo Seabra Fagundes. Lyda faleceu no mesmo dia, não
resistindo aos ferimentos causados pelo atentado. Seu enterro, no
cemitério São João Batista, foi presenciado por uma multidão de 4 mil
pessoas, consternadas com a brutalidade do atentado. Na época, ficou
absolutamente nítido o desinteresse do governo militar pela apuração dos
fatos, o que fez crescer a certeza da motivação política do crime. A
interpretação mais plausível do caso foi que o atentado teria sido
praticado por militares insatisfeitos com a abertura política e com a
Lei de Anistia aprovada no ano anterior, e que, ao mesmo tempo estavam
interessados em intimidar o posicionamento combativo da OAB contra o
regime.
SOLANGE LOURENÇO GOMES (1947-1982)
Paulista de Campinas, Solange Lourenço Gomes vivia no Rio de Janeiro,
onde fez o curso clássico no Colégio Andrews e começou a estudar
Psicologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1966.
Participou de grupos de estudo sobre marxismo naquela faculdade e
manteve, por algum tempo, ligações com o PCBR. Em 1968, vinculou-se à
Dissidência da Guanabara, que posteriormente adotaria o nome MR-8, e
passou para a clandestinidade por volta de setembro ou outubro de 1969.
Morava com Daniel Aarão Reis Filho, dirigente daquela organização.
Documentos policiais informam que Solange participou de várias ações
armadas entre 1969 e 1970. No final de 1970, foi deslocada para a Bahia.
Nos primeiros dias de março de 1971, depois de participar de uma
panfletagem num jogo de reinauguração do estádio da Fonte Nova, em
Salvador, quando ocorreu uma perigosa correria entre a multidão, Solange
teria sofrido um grave surto psicótico e se apresentado a uma
dependência policial, afirmando ser subversiva e fornecendo informações
sobre o MR-8. No ano seguinte, em 6 de julho, Solange foi julgada pela
Justiça Militar, na 2a Auditoria do Exército, no Rio, quando foi
determinada sua internação no manicômio judiciário pelo prazo mínimo de
dois anos. Depois de solta, em 1973, cursou Medicina e casou-se, em
1980, com Celso Pohlmann Livi. No requerimento que apresentou à Comissão
Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP), o marido de
Solange informou que ela se manteve em tratamento psiquiátrico desde que
saiu da prisão. Anexou ao processo uma declaração do psiquiatra, dr.
Alberto Quielli Ambrósio, atestando: “Durante estes anos, pude
testemunhar seu enorme esforço para recuperar-se do grave quadro
psiquiátrico, psicótico, consequência de sua prisão em 1971. As torturas
físicas e mentais a que foi submetida enquanto presa fizeram-na revelar
nomes de companheiros de movimentos políticos, bem como esse
‘depoimento’ no qual se dizia arrependida e renegava sua militância foi
amplamente divulgado em jornais, denegrindo sua moral enquanto mulher.
Estes fatos fizeram-na sentir-se sempre culpada pela desgraça e morte
das pessoas. Ajudada por nossos esforços, de sua família e do marido,
Solange obteve muitas e significativas melhoras, mas não conseguiu
conviver com tantas marcas – insuperáveis – e continuar viva”. Em 1o de
agosto de 1982, Solange atirou-se da janela de seu apartamento, no
terceiro andar da rua Barão da Torre, no Rio, vindo a falecer no
hospital Miguel Couto. Embora a data de sua morte seja muito posterior
ao episódio da prisão e dos maus-tratos sofridos nos órgãos de segurança
do regime militar, a CEMDP considerou comprovado que o suicídio
decorreu dos traumas irreversíveis sofridos em 1971.
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